Ciência moderna
A ciência moderna superou a ficção Pouco depois de ter completado 76 anos, Albert Einstein morreu em 18 de abril de 1955 em Princeton, nos Estados Unidos. Deixou o mundo possivelmente duvidando da existência de um dos objetos celestes mais fascinantes e misteriosos hoje conhecidos pela astrofísica: os buracos negros. Ironicamente, a presença de corpos extremamente densos e compactos, dotados de um campo gravitacional descomunal capaz de atrair toda a matéria ao seu redor, inclusive a luz, estava codificada na teoria da relatividade geral, formulada por Einstein em 1915. “Tanto quanto eu saiba, Einstein morreu não acreditando que buracos negros existiriam na natureza”, disse George Matsas, professor do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (Unesp), na palestra do dia 23 de novembro intitulada “Buracos negros: rompendo os limites da ficção”, mesmo nome do livro que escreveu ao lado de Daniel Vanzella, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos. Ao que tudo indica, o gênio, nesse caso, estava errado. Embora não haja ainda provas diretas da existência de buracos negros, surgiram, a partir dos anos 1960, evidências observacionais consistentes de que esses grandes sugadouros de matéria não são apenas frutos de cálculos matemáticos ou da imaginação de físicos. “Hoje é impossível falar em astrofísica sem considerar a existência dos buracos negros. A ciência moderna superou a ficção e isso é maravilhoso.” Matsas deu uma pequena aula sobre buracos negros. Explicou o que eles são, como se formam e qual a influência que exercem sobre corpos vizinhos no Cosmos. Como o nome indica, buracos negros não emitem luz e não podem ser vistos de forma direta. Sua presença é inferida pelas perturbações que sua enorme força gravitacional provoca na vizinhança. O físico tranqüilizou a platéia. Disse que não há risco de se produzir um buraco negro no Sistema Solar – a massa do Sol não permite que, ao morrer, ele vire um buraco negro – ou na Terra devido a algum acidente. “Experimentos realizados em aceleradores de partículas como o Large Hadron Collider (LHC), do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern), em Genebra, não têm condições de criar buracos negros capazes de destruir a Terra. Aliás é muito improvável que venham a ser criados buracos negros no LHC.” Tipicamente os buracos negros se formam a partir da morte de estrelas com massas enormes. O que faz uma estrela se manter estável é o equilíbrio entre duas forças opostas: uma que exerce pressão de dentro para fora do astro (o processo de fusão nuclear a partir da qual há geração da luz que vemos) e outra de sentido contrário (a gravidade). Quando acaba o combustível que sustenta a fusão nuclear, basicamente o hidrogênio e outros elementos leves, a força gravitacional passa a prevalecer. “A estrela então começa a colapsar”, afirmou. Em estrelas grandes com massas de umas dez vezes a do Sol ou mais, o resultado desse desequilíbrio provoca uma enorme explosão denominada supernova. O evento cataclísmico expele grande parte da massa da estrela. Se a estrela tiver umas 30 vezes a massa do Sol, após a explosão, a fração restante de matéria se concentra numa região de densidade infinita, com um descomunal campo gravitacional, onde, de acordo com a relatividade de Einstein, a curvatura do espaço-tempo é infinita (ou seja, a noção de tempo e espaço não existe mais). Essa região é denominada singularidade. É o coração do buraco negro. A circunferência que determina os limites do buraco negro recebe o nome de horizonte de eventos. Qualquer tipo de matéria ou energia que entre no horizonte de eventos, como um barco que cai num redemoinho, é sugado pelo buraco negro. “As mesmas equações de Einstein que usamos para garantir o funcionamento do GPS são empregadas para estudar o interior dos buracos negros”, comentou Matsas. A primeira evidência científica mais confiável da presença de buracos negros no Universo data de 1964 (e até hoje é estudada). Nesse ano, os astrofísicos começaram a observar uma estrela gigante, de 30 massas solares, da constelação de Cisne, que parecia orbitar em torno do nada, ou melhor, de uma fonte de raios X invisível a olho nu. A melhor explicação para a formação desse aparente sistema binário é a presença de um buraco negro, o Cygnus-X1, com massa equivalente a dez sóis, na vizinhança da estrela. Acredita-se que o buraco negro esteja engolindo paulatinamente a massa da estrela e crie, fora de seus limites, mas em torno de si, um disco de acréscimo de matéria. Uma das assinaturas físicas desse processo é a emissão de raios X ainda antes de a matéria ser engolida pelo buraco negro. Com o auxílio de potentes equipamentos enviados ao espaço pelo homem, como o telescópio Hubble (que opera no espectro da luz visível) e sobretudo o Observatório de Raios X Chandra, lançado pela Nasa em 1999, os astrofísicos passaram a contar com meios mais eficazes de observar indiretamente os efeitos causados (provavelmente) pela presença desses sugadores de matéria em algumas regiões do Universo. Hoje os astrofísicos afirmam que há vários tipos de buraco negro, inclusive no centro de muitas galáxias, como a nossa Via Láctea. “Uma parte significativa da matéria de uma galáxia, talvez até 1%, está na forma de um buraco negro”, disse Matsas. Há muitos mistérios ainda em torno desses objetos invisíveis que sugam matéria. Em 1974, o famoso físico inglês Stephen Hawking propôs que os buracos negros emitem uma forma de radiação que pode levar à sua evaporação. Essa teoria, ainda não comprovada, é hoje conhecida como efeito Hawking. Alguns pesquisadores acreditam que o estudo dos buracos negros levará a uma melhor compreensão das relações entre o espaço e o tempo e possa ser importante para formular a teoria da gravitação quântica, que fundiria os preceitos da mêcanica quântica com a relatividade geral de Einstein. “Os buracos negros podem ser a porta de entrada para compreender a gravitação quântica”, disse Matsas. Buracos negros: rompendo os limites da ficção George Emanuel Avraam Matsas, físico e professor titular do Instituto de Física Teórica (IFT) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), coautor, com Daniel Vanzella, de Buracos negros: rompendo os limites da ficção (Vieira e Lent).
As aves também inspiram cientistas. Filósofos gregos, como Aristóteles,
dedicaram escritos à história natural das aves e, muito tempo depois,
Darwin teve alguns de seus insights graças às tartarugas e sabiás-do-campo (Mimus
spp.) das ilhas Galápagos. As aves continuam a inspirar pesquisas em
áreas tão variadas como neurociências, evolução, comportamento,
fisiologia e ecologia, o que as torna um dos grupos animais mais bem
conhecidos.
Humanos de diferentes culturas sempre apreciaram aves de uma maneira não meramente utilitária, mas sim por que poder ver e ouvir esses belos animais é algo prazeroso. Milhões de aves cativas, tanto silvestres como raças criadas especialmente pelo seu canto ou cores, além de espécies inteiras levadas à extinção (como a famosa ararinha-azul Cyanopsitta spixii), são testemunho de nossa atração pelas aves e da estranha característica humana de encarcerar e mutilar o que ama.
Mudanças culturais e a tecnologia têm permitido mudar essa relação. A observação de aves tornou-se um passatempo na Inglaterra no século XVIII, onde cavalheiros e clérigos se dedicavam não apenas a compilar as listas de aves que ocorriam em suas propriedades e paróquias, mas também a estudar sua biologia, gerando obras precursoras da ornitologia e ecologia modernas, como The Natural History of Selborne, do pioneiro naturalista e ornitólogo Gilbert White, publicado em 1789.
O passatempo da observação de aves dos cavalheiros europeus é uma das raízes da ornitologia moderna e continua com forte vertente científica, já que leva ao aprendizado de disciplinas como ecologia e sistemática.
De fato, a fronteira entre o que é hobby e o que é ciência muitas vezes é incerta e é frequente que observadores de aves participem de pesquisas científicas e não são poucas as espécies que foram descobertas (ou redescobertas) durante excursões de bird-watching ou que localidades até então inexploradas foram primeiro visitadas por birders-cientistas.
O voluntariado de observadores alimenta programas de monitoramento que têm sido usados inclusive para documentar consequências das mudanças climáticas. Exemplos são a Christmas Bird Count realizada à 111 anos nos Estados Unidos, a Big Garden Birdwatch britânica (que inclui muitas escolas com comedouros de aves em seus jardins – uma idéia para brasileiros) e o Censo Neotropical de Aves Aquáticas sul-americano, conduzido no Brasil.
A tecnologia tem uma grande influência no bird-watching. A
atividade se popularizou nos países anglo-saxões no século XX graças a
avanços tecnológicos que resultaram em binóculos e transporte mais
baratos. Observar aves implica comumente em registrar suas vozes tanto
para identificá-las como para atraí-las ( play-back) e as
tecnologias de gravação, tratamento e produção de sons, evoluindo de
pesados gravadores de rolo com microfones parabólicos nos anos 1980 para
gravadores digitais com microfones direcionais super sensíveis, players
capazes de estocar bibliotecas sonoras inteiras e mini amplificadores
de grande potência no século XXI.
No Brasil, onde o acesso a equipamentos e literatura sempre foi dificultado, tivemos que esperar pela revolução digital e a disponibilização de câmeras digitais e formas rápidas e baratas de compartilhar imagens e informações. A rápida expansão do bird-watching no Brasil é um fenômeno tecnológico que acontece na mesma medida em que mais pessoas têm mais acesso a equipamentos fotográficos digitais de boa qualidade, softwares para tratamento de suas imagens e redes sociais e websites para compartilhamento de informações, fotos e sons.
Arquivos baseados na web hoje complementam coleções científicas convencionais. Por exemplo, o Xeno-canto http://www.xeno-canto.org/
é um dos maiores arquivos de sons de aves do mundo e um repositório utilizado tanto por amadores como por cientistas que ali armazenam seus “espécimes” e podem examinar e utilizar os de outros colaboradores, em um belo exemplo de ciência colaborativa.
No Brasil um dos exemplos mais fascinantes da relação tecnologia-observação de aves é o Wikiaves www.savebrasil.org.br onde mais de 6.600 mil colaboradores, de cientistas na ativa a senhoras aposentadas armazenam fotos e sons de aves indicando informações como localidade, data, comportamento, entre outras, tornando o site uma fonte preciosíssima de informações sobre aspectos como distribuição de espécies, variação geográfica, sazonalidade e até mesmo variações nos tamanhos populacionais. Como uma coleção científica convencional, porém muito mais dinâmica.
O Desafio para a Conservação das Aves
O crescente número dos observadores-fotógrafos de aves exerce um papel muito importante para a conservação das aves brasileira. Esse é um publico qualificado que pode ser, por exemplo, um dos melhores amigos das nossas áreas protegidas, além de promover a conservação de áreas particulares. No entanto, ao mesmo tempo que a observação, interesse e o conhecimento em relação as aves vem crescendo, os impactos que ameaçam nossa rica avifauna também vem aumentando. Por volta de 10% de todas as espécies de aves globalmente ameaçadas estão no Brasil e muitas correm risco de extinção eminente.
De acordo com a lista da IUCN (International Union for the Conservation of Nature) o Brasil é o país com maior número de espécies de aves ameaçadas de extinção, com um total de 123 espécies que sofrem risco real de desaparecer da natureza num futuro não tão distante. Em relação à lista nacional de aves ameaçadas, um total de 160 táxons são considerados, no entanto a lista brasileira também considera as subespécies ameaçadas, o que em parte explica as diferenças em relação a lista global.
O número de aves ameaçadas é bastante variado entre os seis grandes biomas brasileiros (Amazônia, Caatinga, Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica e Pampa). A Mata Atlântica concentra cerca de 80% de todas as aves ameaçadas no país, resultado de muitos anos de exploração e desmatamentos. Atualmente restam apenas cerca de 11% da floresta original, sendo que essa proporção de floresta remanescente não é homogênea ao longo de toda Mata Atlântica. A situação é mais séria na região nordeste, especialmente nos estados de Alagoas e Pernambuco onde a maior parte da floresta original foi substituída por plantações de cana-de-açucar, sobrando apenas poucos fragmentos de mata preservada. É nessa região onde ainda podem ser encontrados os últimos exemplares das aves mais raras em todo o país, como o Criticamente Ameaçado Limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi). Essa pequena ave (18 cm) vive no estrato médio e dossel de florestas bem conservadas e ricas em bromélias, onde procura artrópodes dos quais se alimenta. Atualmente as duas únicas localidades onde a espécie pode ser encontrada são na Estação Ecológica de Murici (Alagoas) e na Serra do Urubu (Pernambuco). Felizmente ambas as áreas estão oficialmente protegidas por unidades de conservação (Estação Ecológica e Reservas Privadas – RPPN). O Mutum-do-nordeste (Pauix mitu) também ocorria nas matas dessa região do nordeste, essa espécie, porém, já foi extinta na natureza, restando apenas indivíduos mantidos em cativeiro que representam a esperança de um dia poderem ser reintroduzidos nos fragmentos florestais remanescentes.
Situações graves de perda de vegetação original também ocorrem no Cerrado e no Pampa, onde agricultura, pecuária e plantações de árvores exóticas estão em acelerada expansão. No caso da Amazônia a situação ainda não é muito séria e apesar das crescentes taxas de desmatamentos, cerca de 83% da floresta ainda permanece preservada.
Em um país como o Brasil, com dimensões continentais e situações de
conservação bem distintas entre os biomas, processos de priorização para
planejamento de conservação são de extrema importância servindo como um
guia para direcionar os recursos para as áreas ou espécies que
necessitam de ações imediatas para assegurar a sua conservação. A
BirdLife International desenvolveu uma metodologia de identificação de
áreas prioritárias para a conservação conhecida como “Áreas Importantes
para a Conservação das Aves” ou IBAs, sigla de Important Bird Areas, sua
denominação em inglês. As IBAs são declaradas como tal se apresentarem
uma ou mais das seguintes características; 1- presença de espécies
globalmente ameaçadas de extinção; 2- presença de espécies de
distribuição geográfica restrita (< 50.000 km2); 3- presença de
espécies endêmicas de biomas; 4- presença de grandes concentrações -
> 1% da população mundial ou > 20.000 indivíduos em áreas de
alimentação ou reprodução. O programa global de IBAs visa assegurar a
conservação em longo prazo de uma rede de áreas criticamente importantes
para as aves. No Brasil, o processo de identificação das IBAs foi
liderado pela Sociedade para a Conservação das Aves do Brasil (SAVE
Brasil) www.savebrasil.org.br
e resultou no mapeamento de 237 áreas, representando 11% do território brasileiro ou cerca de 94 milhões de hectares. O trabalho de seleção dessas IBAs foi bastante participativo e envolveu um total de cerca de 60 biólogos/ornitólogos, 450 áreas analisadas e 700 espécies consideradas para aplicação dos critérios. Em relação ao status de conservação, apenas 29 % (27 milhões de hectares) dessas áreas se encontram oficialmente protegidas na forma de unidades de conservação de proteção integral. Diante desse “déficit” em áreas protegidas, um dos trabalhos da SAVE Brasil é a articulação junto aos órgãos ambientais do governo para a criação de novas unidades de conservação em áreas de IBAs. Nos últimos anos esse esforço resultou, juntamente com o envolvimento de outros parceiros, na criação da RPPN Pedra d’Anta (PE), Estação Ecológica de Murici (AL), no Parque Nacional e Refúgio de Vida Silvestre de Boa Nova (BA), Parque Nacional da Serra das Lontras (BA) e Parque Estadual da Costa do Sol (RJ). Essas áreas somadas representam 57.000 hectares de florestas protegidas, garantindo a conservação de cerca de 500 espécies de aves, sendo 25 ameaçadas de extinção.
Um dos maiores desafios enfrentados atualmente no Brasil para a conservação das aves e toda a biodiversidade do país é a conciliação de um desenvolvimento e crescimento sócio-econômico aliado a conservação ambiental. Ainda não se conhece o melhor caminho a ser seguido e nem as soluções para muitos dos conflitos, no entanto já existe uma clara preocupação da sociedade em geral com as questões ambientais. Em alguns casos essa preocupação se reflete em ações concretas como a criação de novas unidades de conservação públicas e privadas (RPPNs), mecanismos econômicos de valorização da floresta em pé e biodiversidade, licenças ambientais bastante restritas para implantação de novos empreendimentos, organizações não-governamentais (ONGs) comprometidas, atuantes e bem articuladas com o governo e uma massiva atenção da mídia ao assunto.
Se nos próximos anos vamos conseguir reverter o triste quadro em que o Brasil se encontra como recordista mundial em número de aves ameaçadas, ainda não sabemos, porém o maior interesse da sociedade pela nossa rica avifauna, juntamente com ações concretas como a criação de novas áreas protegidas representa avanços concretos nesse sentido.
Para conhecer mais:
Áreas Importantes para a Conservação das Aves no Brasil, Parte I – Estados do Domínio da Mata Atlântica (2006). SAVE Brasil. Disponível em www.savebrasil.org.br
Áreas Importantes para a Conservação das Aves no Brasil Parte II – Amazônia, Cerrado e Pantanal (2009). SAVE Brasil. Disponível em www.savebrasil.org.br
Editora Aves & Fotos: http://www.avesefotoseditora.com.br/#/Editora/
Avistar Brasil: www.avistarbrasil.com.br
Christmas Bird Count: http://birds.audubon.org/christmas-bird-count
Big Garden Birdwatchhttp: www.rspb.org.uk/birdwatch/results.aspx
Censo Neotropical de Aves Aquáticas: http://lac.wetlands.org/WHATWEDO/Censoneotropicaldeavesaqu%C3%A1ticas/Comoparticipar/Brazil/tabid/1239/Default.aspx
Os Autores:
Pedro F. Develey - Biólogo, Mestre e Doutor pela Universidade de São Paulo (USP), atua com ecologia e conservação de aves. Foi um dos organizadores dos dois volumes do livro Areas Importantes para a Conservação das Aves no Brasil, publicados nos anos de 2006 e 2009. Atualmente é Diretor de Conservação da BirdLife/SAVE Brasil.
Fabio Olmos – Biólogo, é doutor em Zoologia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) e mestre em Ecologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Trabalhou como gestor de unidades de conservação no Instituto Florestal de São Paulo e, como consultor, em projetos do Banco Mundial e FAO. Mais recentemente, trabalhou junto ao programa brasileiro da BirdLife International.
Vagner Cavarzere - Biólogo pela Universidade Estadual Paulista (campus de Bauru) em 2006. Obteve título de mestre em Zoologia pela Universidade de São Paulo em 2010 e atualmente é aluno de doutorado na mesma instituição. Desenvolveu pesquisas sobre comunidade de aves, modelos de distribuição de espécies e sistemática de aves neotropicais.
Nas bancas!
O Brasil e suas Aves
Alguns dos principais ornitólogos do país explicam a situção atual da nossa rica avifauna
Pedro F. Develey; Fabio Olmos; Vagner Cavarzere
Há cerca de 240 milhões de anos, no início do período Triássico,
surgiram os primeiros dinossauros, um grupo que viria a dominar o
planeta pelos próximos 175 milhões de anos até sua extinção, há 65
milhões de anos, após o impacto de asteroides gigantes contra o planeta.
Pelo menos essa é a história que a maioria conhece. O que alguns não sabem é que um grupo de dinossauros carnívoros, bípedes e ágeis aparentado do famoso velociraptor deu origem a animais que estão entre nós até hoje. Toda vez que vir um pombo na rua, um frango em seu prato ou qualquer outra ave, você pode dizer que está diante de um descendente dos dinossauros. As aves são o único grupo de vertebrados naturalmente presentes em todos os continentes, tendo evoluído para ocupar praticamente todos os ecossistemas terrestres, das montanhas mais altas aos oceanos ─ onde pinguins podem procurar seu alimento a mais de 100 m de profundidade.
O levantamento mais recente www.worldbirdnames.org certifica a existência de 10.440 espécies de aves no mundo, o que exclui várias dezenas extintas desde 1600, após o início da expansão marítima europeia, e possivelmente outros milhares extintos por povos como os polinésios e ameríndios ao colonizarem ilhas no oceano Pacífico e no Caribe. É possível que apenas os polinésios tenham eliminado cerca de 2 mil espécies nos últimos dois milênios.
O Brasil abriga ─ segundo a última lista do Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (CBRO) ─1.833 espécies de aves. Esse total certamente aumentará já que novas espécies de aves continuam a ser descobertas com regularidade (mesmo no entorno de capitais como São Paulo e Curitiba) e análises moleculares, morfológicas e bioacústicas demonstram que algumas “espécies” na realidade podem ser subdivididas em unidades evolutivas distintas.
As aves sempre tiveram um papel importante nas culturas humanas muito além de serem simples fonte de alimento. Um dos mais notáveis textos de ornitologia (área responsável pelo estudo de aves), como De arte venandi cum avibus (A arte da caça com aves), do imperador Frederico II, escrito na década de 1240, é um exemplo.
Deuses alados, ou com características de aves, sempre foram parte de religiões, que continuam a usar aves como símbolos. Impérios também usaram aves (especialmente as de rapina) como símbolos e até hoje muitos países têm aves representadas em suas bandeiras, brasões e moedas. A importância das aves para a arte, desde a arte plumária de alguns grupos indígenas até seu uso-inspiração para pinturas e esculturas, é bem conhecida.
Pelo menos essa é a história que a maioria conhece. O que alguns não sabem é que um grupo de dinossauros carnívoros, bípedes e ágeis aparentado do famoso velociraptor deu origem a animais que estão entre nós até hoje. Toda vez que vir um pombo na rua, um frango em seu prato ou qualquer outra ave, você pode dizer que está diante de um descendente dos dinossauros. As aves são o único grupo de vertebrados naturalmente presentes em todos os continentes, tendo evoluído para ocupar praticamente todos os ecossistemas terrestres, das montanhas mais altas aos oceanos ─ onde pinguins podem procurar seu alimento a mais de 100 m de profundidade.
O levantamento mais recente www.worldbirdnames.org certifica a existência de 10.440 espécies de aves no mundo, o que exclui várias dezenas extintas desde 1600, após o início da expansão marítima europeia, e possivelmente outros milhares extintos por povos como os polinésios e ameríndios ao colonizarem ilhas no oceano Pacífico e no Caribe. É possível que apenas os polinésios tenham eliminado cerca de 2 mil espécies nos últimos dois milênios.
O Brasil abriga ─ segundo a última lista do Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (CBRO) ─1.833 espécies de aves. Esse total certamente aumentará já que novas espécies de aves continuam a ser descobertas com regularidade (mesmo no entorno de capitais como São Paulo e Curitiba) e análises moleculares, morfológicas e bioacústicas demonstram que algumas “espécies” na realidade podem ser subdivididas em unidades evolutivas distintas.
As aves sempre tiveram um papel importante nas culturas humanas muito além de serem simples fonte de alimento. Um dos mais notáveis textos de ornitologia (área responsável pelo estudo de aves), como De arte venandi cum avibus (A arte da caça com aves), do imperador Frederico II, escrito na década de 1240, é um exemplo.
Deuses alados, ou com características de aves, sempre foram parte de religiões, que continuam a usar aves como símbolos. Impérios também usaram aves (especialmente as de rapina) como símbolos e até hoje muitos países têm aves representadas em suas bandeiras, brasões e moedas. A importância das aves para a arte, desde a arte plumária de alguns grupos indígenas até seu uso-inspiração para pinturas e esculturas, é bem conhecida.
© Fabio Fersa/Shutterstock |
Seriema (Cariama cristata) |
Humanos de diferentes culturas sempre apreciaram aves de uma maneira não meramente utilitária, mas sim por que poder ver e ouvir esses belos animais é algo prazeroso. Milhões de aves cativas, tanto silvestres como raças criadas especialmente pelo seu canto ou cores, além de espécies inteiras levadas à extinção (como a famosa ararinha-azul Cyanopsitta spixii), são testemunho de nossa atração pelas aves e da estranha característica humana de encarcerar e mutilar o que ama.
Mudanças culturais e a tecnologia têm permitido mudar essa relação. A observação de aves tornou-se um passatempo na Inglaterra no século XVIII, onde cavalheiros e clérigos se dedicavam não apenas a compilar as listas de aves que ocorriam em suas propriedades e paróquias, mas também a estudar sua biologia, gerando obras precursoras da ornitologia e ecologia modernas, como The Natural History of Selborne, do pioneiro naturalista e ornitólogo Gilbert White, publicado em 1789.
O passatempo da observação de aves dos cavalheiros europeus é uma das raízes da ornitologia moderna e continua com forte vertente científica, já que leva ao aprendizado de disciplinas como ecologia e sistemática.
De fato, a fronteira entre o que é hobby e o que é ciência muitas vezes é incerta e é frequente que observadores de aves participem de pesquisas científicas e não são poucas as espécies que foram descobertas (ou redescobertas) durante excursões de bird-watching ou que localidades até então inexploradas foram primeiro visitadas por birders-cientistas.
O voluntariado de observadores alimenta programas de monitoramento que têm sido usados inclusive para documentar consequências das mudanças climáticas. Exemplos são a Christmas Bird Count realizada à 111 anos nos Estados Unidos, a Big Garden Birdwatch britânica (que inclui muitas escolas com comedouros de aves em seus jardins – uma idéia para brasileiros) e o Censo Neotropical de Aves Aquáticas sul-americano, conduzido no Brasil.
© Zhukov Oleg/Shutterstock |
No Brasil, onde o acesso a equipamentos e literatura sempre foi dificultado, tivemos que esperar pela revolução digital e a disponibilização de câmeras digitais e formas rápidas e baratas de compartilhar imagens e informações. A rápida expansão do bird-watching no Brasil é um fenômeno tecnológico que acontece na mesma medida em que mais pessoas têm mais acesso a equipamentos fotográficos digitais de boa qualidade, softwares para tratamento de suas imagens e redes sociais e websites para compartilhamento de informações, fotos e sons.
Arquivos baseados na web hoje complementam coleções científicas convencionais. Por exemplo, o Xeno-canto http://www.xeno-canto.org/
é um dos maiores arquivos de sons de aves do mundo e um repositório utilizado tanto por amadores como por cientistas que ali armazenam seus “espécimes” e podem examinar e utilizar os de outros colaboradores, em um belo exemplo de ciência colaborativa.
No Brasil um dos exemplos mais fascinantes da relação tecnologia-observação de aves é o Wikiaves www.savebrasil.org.br onde mais de 6.600 mil colaboradores, de cientistas na ativa a senhoras aposentadas armazenam fotos e sons de aves indicando informações como localidade, data, comportamento, entre outras, tornando o site uma fonte preciosíssima de informações sobre aspectos como distribuição de espécies, variação geográfica, sazonalidade e até mesmo variações nos tamanhos populacionais. Como uma coleção científica convencional, porém muito mais dinâmica.
Ruth Rogers/Creative Commons |
Anacã (Deroptyus accipitrinus) |
O crescente número dos observadores-fotógrafos de aves exerce um papel muito importante para a conservação das aves brasileira. Esse é um publico qualificado que pode ser, por exemplo, um dos melhores amigos das nossas áreas protegidas, além de promover a conservação de áreas particulares. No entanto, ao mesmo tempo que a observação, interesse e o conhecimento em relação as aves vem crescendo, os impactos que ameaçam nossa rica avifauna também vem aumentando. Por volta de 10% de todas as espécies de aves globalmente ameaçadas estão no Brasil e muitas correm risco de extinção eminente.
De acordo com a lista da IUCN (International Union for the Conservation of Nature) o Brasil é o país com maior número de espécies de aves ameaçadas de extinção, com um total de 123 espécies que sofrem risco real de desaparecer da natureza num futuro não tão distante. Em relação à lista nacional de aves ameaçadas, um total de 160 táxons são considerados, no entanto a lista brasileira também considera as subespécies ameaçadas, o que em parte explica as diferenças em relação a lista global.
O número de aves ameaçadas é bastante variado entre os seis grandes biomas brasileiros (Amazônia, Caatinga, Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica e Pampa). A Mata Atlântica concentra cerca de 80% de todas as aves ameaçadas no país, resultado de muitos anos de exploração e desmatamentos. Atualmente restam apenas cerca de 11% da floresta original, sendo que essa proporção de floresta remanescente não é homogênea ao longo de toda Mata Atlântica. A situação é mais séria na região nordeste, especialmente nos estados de Alagoas e Pernambuco onde a maior parte da floresta original foi substituída por plantações de cana-de-açucar, sobrando apenas poucos fragmentos de mata preservada. É nessa região onde ainda podem ser encontrados os últimos exemplares das aves mais raras em todo o país, como o Criticamente Ameaçado Limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi). Essa pequena ave (18 cm) vive no estrato médio e dossel de florestas bem conservadas e ricas em bromélias, onde procura artrópodes dos quais se alimenta. Atualmente as duas únicas localidades onde a espécie pode ser encontrada são na Estação Ecológica de Murici (Alagoas) e na Serra do Urubu (Pernambuco). Felizmente ambas as áreas estão oficialmente protegidas por unidades de conservação (Estação Ecológica e Reservas Privadas – RPPN). O Mutum-do-nordeste (Pauix mitu) também ocorria nas matas dessa região do nordeste, essa espécie, porém, já foi extinta na natureza, restando apenas indivíduos mantidos em cativeiro que representam a esperança de um dia poderem ser reintroduzidos nos fragmentos florestais remanescentes.
Situações graves de perda de vegetação original também ocorrem no Cerrado e no Pampa, onde agricultura, pecuária e plantações de árvores exóticas estão em acelerada expansão. No caso da Amazônia a situação ainda não é muito séria e apesar das crescentes taxas de desmatamentos, cerca de 83% da floresta ainda permanece preservada.
Robert01/Creative Commons |
Ararinha-azul (Cyanopsitta spixii) |
e resultou no mapeamento de 237 áreas, representando 11% do território brasileiro ou cerca de 94 milhões de hectares. O trabalho de seleção dessas IBAs foi bastante participativo e envolveu um total de cerca de 60 biólogos/ornitólogos, 450 áreas analisadas e 700 espécies consideradas para aplicação dos critérios. Em relação ao status de conservação, apenas 29 % (27 milhões de hectares) dessas áreas se encontram oficialmente protegidas na forma de unidades de conservação de proteção integral. Diante desse “déficit” em áreas protegidas, um dos trabalhos da SAVE Brasil é a articulação junto aos órgãos ambientais do governo para a criação de novas unidades de conservação em áreas de IBAs. Nos últimos anos esse esforço resultou, juntamente com o envolvimento de outros parceiros, na criação da RPPN Pedra d’Anta (PE), Estação Ecológica de Murici (AL), no Parque Nacional e Refúgio de Vida Silvestre de Boa Nova (BA), Parque Nacional da Serra das Lontras (BA) e Parque Estadual da Costa do Sol (RJ). Essas áreas somadas representam 57.000 hectares de florestas protegidas, garantindo a conservação de cerca de 500 espécies de aves, sendo 25 ameaçadas de extinção.
Um dos maiores desafios enfrentados atualmente no Brasil para a conservação das aves e toda a biodiversidade do país é a conciliação de um desenvolvimento e crescimento sócio-econômico aliado a conservação ambiental. Ainda não se conhece o melhor caminho a ser seguido e nem as soluções para muitos dos conflitos, no entanto já existe uma clara preocupação da sociedade em geral com as questões ambientais. Em alguns casos essa preocupação se reflete em ações concretas como a criação de novas unidades de conservação públicas e privadas (RPPNs), mecanismos econômicos de valorização da floresta em pé e biodiversidade, licenças ambientais bastante restritas para implantação de novos empreendimentos, organizações não-governamentais (ONGs) comprometidas, atuantes e bem articuladas com o governo e uma massiva atenção da mídia ao assunto.
Se nos próximos anos vamos conseguir reverter o triste quadro em que o Brasil se encontra como recordista mundial em número de aves ameaçadas, ainda não sabemos, porém o maior interesse da sociedade pela nossa rica avifauna, juntamente com ações concretas como a criação de novas áreas protegidas representa avanços concretos nesse sentido.
© Luis César Tejo/Shutterstock |
Mimus sp. |
Áreas Importantes para a Conservação das Aves no Brasil, Parte I – Estados do Domínio da Mata Atlântica (2006). SAVE Brasil. Disponível em www.savebrasil.org.br
Áreas Importantes para a Conservação das Aves no Brasil Parte II – Amazônia, Cerrado e Pantanal (2009). SAVE Brasil. Disponível em www.savebrasil.org.br
Editora Aves & Fotos: http://www.avesefotoseditora.com.br/#/Editora/
Avistar Brasil: www.avistarbrasil.com.br
Christmas Bird Count: http://birds.audubon.org/christmas-bird-count
Big Garden Birdwatchhttp: www.rspb.org.uk/birdwatch/results.aspx
Censo Neotropical de Aves Aquáticas: http://lac.wetlands.org/WHATWEDO/Censoneotropicaldeavesaqu%C3%A1ticas/Comoparticipar/Brazil/tabid/1239/Default.aspx
Os Autores:
Pedro F. Develey - Biólogo, Mestre e Doutor pela Universidade de São Paulo (USP), atua com ecologia e conservação de aves. Foi um dos organizadores dos dois volumes do livro Areas Importantes para a Conservação das Aves no Brasil, publicados nos anos de 2006 e 2009. Atualmente é Diretor de Conservação da BirdLife/SAVE Brasil.
Fabio Olmos – Biólogo, é doutor em Zoologia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) e mestre em Ecologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Trabalhou como gestor de unidades de conservação no Instituto Florestal de São Paulo e, como consultor, em projetos do Banco Mundial e FAO. Mais recentemente, trabalhou junto ao programa brasileiro da BirdLife International.
Vagner Cavarzere - Biólogo pela Universidade Estadual Paulista (campus de Bauru) em 2006. Obteve título de mestre em Zoologia pela Universidade de São Paulo em 2010 e atualmente é aluno de doutorado na mesma instituição. Desenvolveu pesquisas sobre comunidade de aves, modelos de distribuição de espécies e sistemática de aves neotropicais.
www.lojaduetto.com.br
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