FIQUE ESPERTO COM A REDAÇÃO DO ENEM!
TEMAS SUBJETIVOS
TEMAS POLÊMICOS
ANÁLISE DA PROPOSTA DE REDAÇÃO
LEIA
RELEIA
INTERPRETE...
Não fuja do tema;
-Encare a proposta como uma pergunta;
-Encare o texto produzido como uma resposta.
COESÃO, COERÊNCIA
União
Progressão textual
Em um texto, é necessário que cada segmento que ocorre deve
acrescentar um dado novo ao anterior.
INTRODUÇÃO
tema
tese
argumentos
DESENVOLVIMENTO
-Dois parágrafos;
-Cada parágrafo deve ter cinco a seis linhas;
-Os parágrafos desenvolvem os argumentos
lançados na introdução;
-Esteja atento ao tema proposto e a tese.
CONCLUSÃO
Retoma as ideias apresentadas nos parágrafos, realizando um
fechamento textual.
NÃO UTILIZE!!!!!!!!!!!!
CONCLUI-SE
Redação.
A prova de redação exigirá de você a produção
de um texto em prosa, do tipo dissertativo-
-argumentativo, sobre um tema de ordem social,
científica, cultural ou política. Os aspectos a
serem avaliados relacionam-se às “competências”
que você deve ter desenvolvido durante os anos
de escolaridade. Nessa redação, você deverá
defender uma tese, uma opinião a respeito do tema
proposto, apoiada em argumentos consistentes
estruturados de forma coerente e coesa, de modo
a formar uma unidade textual. Seu texto deverá ser
redigido de acordo com a norma padrão da Língua
Portuguesa e, finalmente, apresentar uma proposta
de intervenção social que respeite os direitos
humanos.
TEMA
¤
TESE
¤
ARGUMENTOS
O Enem exige que o aluno redija um texto dissertativo-argumentativo, ou seja, um texto no
qual haja um ponto de vista a ser defendido com argumentos. Ao defender sua “tese”, o estudante
não pode manifestar preconceito (de raça ou opção sexual, por exemplo) nem defender credos,
práticas ou ideologias que desrespeitem os direitos humanos. A banca espera que o candidato
demonstre cinco competências básicas:
1. Demonstrar domínio da norma culta da língua escrita
A norma culta é o tipo de registro usado em situações formais. Ela se caracteriza pela correção
gramatical, o rigor do pensamento e um vocabulário livre de coloquialismos e gírias. A infração à
norma, além de indicar baixa escolaridade, compromete a exposição das ideias. Para evitar que isso
ocorra, é preciso ficar atento a tópicos como pontuação, concordância verbal, emprego dos
pronomes e ortografia.
2. Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para
desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo
A compreensão da proposta é fundamental para que o aluno atenda ao que a banca pede e se
mantenha fiel ao tema. Muitas vezes ele respeita o assunto (por exemplo, prostituição), mas se alheia
do tema (a prostituição como decorrência da baixa condição social). Isso pode levá-lo a digressões
(considerações paralelas) que muitas vezes constituem lugares-comuns e comprometem o nível de
informação e a originalidade do texto. Quanto mais fiel ao que a banca solicita, mais o estudante
terá condições de desenvolver de forma concreta e pessoal o tema. É claro que concorrerá para isso
o domínio que ele tiver de conceitos pertencentes a diversas áreas do conhecimento (história,
psicologia, política etc.). Mas ninguém precisa ser um especialista nesses domínios; basta ter o
hábito de ler bons jornais e revistas.
3. Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em
defesa de um ponto de vista
Essa competência tem a ver com a capacidade de leitura em sentido amplo, o que envolve tanto a
apreensão dos signos verbais quanto a compreensão dos eventos que nos circundam. O aluno vai se
deparar com informações que acompanham o tema, presentes nos textos de suporte (antologia), e
deve selecionar as que considere relevantes para construir a sua argumentação. É fundamental que
os textos de apoio sejam lidos e compreendidos, pois a banca os escolhe por sua estreita relação com
o tema proposto. Alhear-se deles é meio caminho para não atender à proposta temática.
4. Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da
argumentação
Uma vez que o texto argumentativo visa à manifestação de um ponto de vista sobre
determinado assunto, é preciso que ele seja escrito com rigor. Para isso é fundamental utilizar os
mecanismos que asseguram a coesão textual, dando ao discurso unidade e coerência. Entre esses
mecanismos estão o uso adequado dos sinônimos e parônimos, o correto emprego dos pronomes
(pessoais, possessivos, demonstrativos), a escolha adequada dos conectivos (conjunções, preposições,
pronomes relativos) e os demais procedimentos que asseguram a retomada e a antecipação dos
componentes oracionais. Usar bem a língua é fundamental. Os fatos ou razões apresentados como
argumentos perdem sua eficácia caso sejam incorretamente expressos; não há “conteúdo” que
resista a uma formalização deficiente. O modo de dizer é tão importante quanto o que se diz, e por
vezes até conta mais como recurso de persuadir, ou seja, de captar a adesão do leitor ao ponto de
vista defendido.
5. Elaborar proposta de solução para o problema abordado, mostrando respeito aos valores humanos
e considerando a diversidade sociocultural
Como o tema apresentado constitui um problema, geralmente de natureza político-social, é
indispensável que o aluno proponha uma ou mais soluções para resolvê-lo. Isso quer dizer que ele
deve ir além da reação subjetiva; não basta, por exemplo, se indignar com a situação dos meninos de
rua, a solidão dos velhos nos asilos ou a indiferença dos países ricos para com o aquecimento global.
É preciso propor estratégias para reverter tais situações. Mas isso não deve ser feito de forma
abrupta, como um conjunto de fórmulas ou conselhos inseridos na conclusão do texto. A
argumentação deve desde o inicio estar direcionada para as propostas, que por sua vez precisam ser
coerentes com o ponto de vista do aluno.
É preciso também ter cuidado para não manifestar preconceito contra determinada crença,
raça, ou opção sexual. Isso iria de encontro ao respeito às diferenças, que é uma das mais valiosas
conquistas do pensamento humano e tem na escola um de seus guardiões. Desconsiderar as
diferenças seria negar o sentido e o propósito da educação, que se pauta em valores como tolerância
e igualdade. Como o fundamento desses valores é a vida, o estudante não deve defender conceitos ou
práticas que venham a ameaçá-la mediante o estímulo à violência, ao fanatismo político-religioso ou
a qualquer forma de discriminação social.
- Publicado no Especial Vestibular/Enem 2013 da revista Língua Portuguesa -
Orações reduzidas são as que apresentam o verbo em forma nominal. Opõem-se às orações
desenvolvidas (iniciadas por conjunções e preposições) e às justapostas (sem conectivos). Podem ser
de três tipos:
- de infinitivo: Por não calcular os riscos, levou a empresa à falência.
- de gerúndio: Ganhará mais saúde dormindo cedo.
- de particípio: Feito o trabalho, foram dormir.
Entre os problemas que envolvem o emprego das orações reduzidas, destacam-se a flexão do
infinitivo e o uso do gerúndio.
O infinitivo se caracteriza por indicar a pura ação verbal, sem designar quem a pratica:
“Navegar é preciso”. Uma das peculiaridades do português é pessoalizar essa forma nominal, o que
gera indecisão quanto à possibilidade de flexioná-la. Segundo J. Mattoso Camara Jr., a flexão
ocorre “quando há o intento de destacar o processo verbal expresso no infinitivo (...), em face do
processo verbal expresso no verbo principal”. (“Dicionário de linguística e gramática”; Ed. Vozes).
Não existe regulamentação rígida para a flexão do infinitivo, que depende de razões estilísticas, mas
deve-se ficar atento a estas indicações:
- o infinitivo não se flexiona quando o sujeito da oração reduzida é o mesmo da principal:
“Os atletas empenharam-se além dos limites para conseguir um bom desempenho”;
- deve-se flexionar o infinitivo, mesmo que o sujeito das duas orações seja o mesmo, para
atender à clareza ou à eufonia: “Devemos participar da reunião para não sermos considerados
omissos”;
- se o ser ou a coisa que constitui o sujeito do infinitivo desempenha função diferente na oração
principal, a flexão é optativa: “O técnico orientou os atletas a se preparar (ou se prepararem) com
rigor”;
- flexiona-se o infinitivo quando ele tem sujeito próprio: “Torço para vencerem os melhores”.
GERÚNDIO
Os problemas com o gerúndio são graves porque afetam a coesão. As falhas coesivas
geralmente ocorrem porque não existe equivalência entre o sujeito do gerúndio e o da oração
anterior. Se há identidade entre os sujeitos, mantém-se a uniformidade da estrutura. É o caso deste
exemplo, adaptado da redação de um aluno, no qual “criança” é o sujeito de “torna-se” e de
“buscando”:
“Sem amor a criança torna-se carente e frágil, buscando fora de casa outros meios para
completar esse vazio.”
Essa equivalência não ocorria na versão original:
“Uma criança sem amor no lar torna-se carente e frágil, levando-a a procurar fora de casa
outros meios para completar esse vazio.”
O que leva a criança a procurar fora de casa meios para suprir o vazio não é, obviamente, ela
própria, mas o que se afirma na oração anterior. Daí a necessidade de substituir o gerúndio por uma
forma desenvolvida, cujo sujeito resume anaforicamente o conteúdo da oração anterior (“Isso a
leva...”, “o que a leva...”).
Neste outro trecho, o mau emprego do gerúndio dá a entender que a Inglaterra chegou no
Brasil (sic) na década de 50: “O processo de industrialização iniciou-se em meados do século 18. A
Inglaterra foi a pioneira, chegando no Brasil na década de 50.”
A data da chegada refere-se, na verdade, ao processo de industrialização. Refeito, o período fica
mais claramente formulado: “O processo de industrialização iniciou-se na Inglaterra, no século 18,
e chegou ao Brasil na década de 50.”
Não são raros os casos em que o gerúndio aparece, indevidamente, no lugar de uma forma
desenvolvida: “Nas últimas décadas o nosso país melhorou o nível de educação. Tendo a taxa de
analfabetismo reduzida, aumento de matrículas escolares e crescimento da escolaridade média.”
Nessa passagem, pode-se substituir “tendo” por “teve”.
A acumulação de gerúndios leva por vezes a períodos centopeicos e mal concatenados, como o
seguinte:
Em regiões pobres as pessoas assistem mais a tevê do que leem, podendo-se observar que os
níveis de desenvolvimento na educação e na cultura não atingem valores significativos, acarretando
em graves consequências sociais.
O ideal, para a clareza do texto, é suprimir as formas nominais e inserir os elementos coesivos
adequados:
Em regiões pobres as pessoas assistem mais a tevê do que leem. Pode-se então observar que
nelas os níveis de desenvolvimento na educação e na cultura não atingem valores significativos, o
que acarreta graves consequências sociais.
FIQUE POR DENTRO
Não se flexiona o infinitivo que faz parte de locução verbal, de modo que se devem evitar
passagens como: “Os EUA não deveriam serem as maiores potências.” Tampouco se preposiciona o
infinitivo que, posposto aos adjetivos “fácil”, “difícil”, “agradável”, “possível” e outros, inicia
orações subjetivas: “Não é difícil de perceber que crianças e adolescentes precisam de cuidados
jurídicos a mais.” O aluno confundiu essa construção com aquelas nas quais o infinitivo, com
sentido passivo, completa o adjetivo. “Esse é um trabalho difícil de fazer (ser feito).”
Problemas de concordância também ocorrem nas orações reduzidas de particípio, que
geralmente antecedem a oração principal: “Confirmado as estatísticas, o Brasil ainda tem muito o
que fazer na educação.” O particípio deve concordar com o sujeito (estatísticas), mesmo se
considerando que ele faz parte de locução verbal com um gerúndio implícito (havendo-se
confirmado). O que conta, para a concordância, é o que está expresso.
COMO ESTUDAR
Transformar orações desenvolvidas em reduzidas é um meio de compactar o enunciado e livrar
o texto do excesso de “quês”. Devem-se treinar essas mudanças, que se aplicam às orações adjetivas:
“O empréstimo que tomei (tomado por mim) foi ousado”; substantivas: “É indispensável que se
conheça (conhecer) bem o inimigo”; e adverbiais: “Logo que termine (terminando) os exames,
viajarei”.
Outro bom exercício é desfazer as ambiguidades decorrentes do gerúndio que introduz oração
adjetiva a chamada endorreia. Numa frase como “Pedro viu uma moça tomando banho de mar”,
não está claro se quem toma banho é Pedro ou a moça.
O QUE CONSULTAR
Em “A estrutura da oração reduzida” (UFC), o professor José Rebouças Macambira faz um
estudo descritivo das orações que têm os verbos em forma nominal. Baseado em inúmeros exemplos,
discute o efeito estilístico que tais orações promovem, mostra as posições que ocupam no período e
aborda a correspondência que estabelecem umas com as outras. Sem preocupação normativa,
aponta os diferentes usos das orações reduzidas nos registros culto e popular.
QUESTÃO COMENTADA
(UFMG) Qual dos verbos destacados não se acha no infinitivo?
a) Os avós devem ter-se modernizado também.
b) A idéia de ser montado – e por mim – não era das mais aprazíveis.
c) Estranho apartamento, se juntarmos, em sua representação, os móveis modernos aos objetos
remotos.
d) Um desejo de nos pacificarmos, de atingirmos a bondade e a compreensão, nos tornava
indiferentes à matéria cotidiana.
e) Luís engoliu o pão com geléia como se fosse o último alimento sobre a terra, e sua salvação
dependesse de tê-lo ingerido.
RESPOSTA: c.
A forma “juntarmos” encontra-se no futuro do subjuntivo; tanto é assim que vem antecedida
por conjunção (se), que não introduz oração reduzida. Em a, e e b, o infinitivo aparece como
auxiliar de tempos compostos na voz ativa (ter modernizado, ter ingerido) e passiva (ser montado).
Em d, o infinitivo aparece flexionado e antecedido de preposição (de).
Chico Viana
- Publicado no Especial Redação Vestibular, Enem e concursos da revista Língua portuguesa
(Ed. Segmento) -
Os argumentos invisíveis
Quando escrevemos, apresentamos determinados conteúdos e deixamos outros implícitos. Muitas
vezes está nestes a força do que queremos afirmar. Os implícitos aparecem como verdades que, por
poderem ser inferidas, não precisam ser formuladas. Eles são basicamente de dois tipos os
pressupostos e os subentendidos.
O pressuposto está inscrito na língua. Depreende-se do que está dito, sem que se necessite de
um raciocínio para chegar a ele. Suponhamos que alguém afirme: “Para elevar o IDH, o Brasil
precisa de boas escolas e professores bem pagos”. Pressupõe-se daí que o nosso IDH (Índice de
Desenvolvimento Urbano do Brasil) é baixo. Para manter a coerência, é preciso que o texto em
nenhum momento contradiga essa informação.
O subentendido não se inscreve na língua, depende de uma reflexão feita pelo receptor. Na frase
acima, pode-se subentender que o governo concorre para nosso baixo IDH por negligenciar a
educação ao pagar mal aos professores. Trata-se de um subentendido porque nem todos pensam
assim. Há quem defenda que existem problemas mais graves em nosso sistema educacional do que o
baixo salário pago ao magistério. O subentendido, por depender de uma interpretação do
interlocutor, é objeto de polêmica. O pressuposto, não.
Tratar o que se subentende como verdade absoluta pode ser um dos problemas da argumentação.
É o que ocorre quando se diz, numa redação sobre o trabalho dos pais fora de casa, que a ausência
deles leva à deficiente educação dos filhos. Subentende-se que isso ocorra, é claro, no entanto há
pais que conseguem equilibrar os dois tipos de atividade. Não se pode, então, generalizar.
O controle do tempo
Um dos motivos de angústia para os vestibulandos é o tempo dedicado à redação. Deve-se
começar por ela ou deixá-la para depois? Embora isso dependa muito de cada um, o recomendável é
primeiro redigir e depois resolver as questões objetivas. A redação vale mais pontos. Além disso,
exige mais trabalho mental, já que nas outras questões o aluno deve apenas marcar um xis.
O controle do tempo na redação é importante porque os textos das questões objetivas são
longos. Retardar-se demais na dissertação redunda em prejuízo para eles. É preciso, então, ser ágil e
metódico. A experiência mostra que os alunos mantêm a média quando redigem em classe, sob
pressão e com tempo limitado. Às vezes, curiosamente, escrevem melhor.
Uma das hipóteses para explicar isso é que na classe eles ficam mais concentrados. Grande
parte do que se dedica “a mais” na elaboração do texto é usada em atitudes inúteis, como reler
palavras ou períodos. Experimente reler só uma vez cada parágrafo já pronto. Depois releia a
redação toda e mude o que achar conveniente.
Um bom roteiro ajuda. É melhor gastar cerca de meia hora com um esquema e depois ir em
frente, sem interrupções, do que ficar mudando os rumos do texto. Também é útil, para escrever com
presteza, usar um vocabulário transparente e objetivo. Hesitar demais entre um ou outro termo leva
a que se perca tempo, pois compromete o fluxo do pensamento.
Acerte o tema
O vestibular não avalia o candidato apenas como produtor de texto. Avalia-o também como leitor.
Um dos meios de fazer é verificar se ele foi capaz de atender à proposta temática. Não é justo tratar
da mesma forma quem entendeu e quem não entendeu o tema, mesmo que essa incompreensão não
impeça alguém de produzir um texto linguisticamente satisfatório.
Diante disso, é preciso interpretar corretamente as instruções formuladas pela banca. “Sabendo
interpretar o que lê, o estudante organiza as ideias e produz bom texto” (Lygia Fagundes Telles).
Além do tema, deve-se também observar com rigor o tipo textual (no Enem e na maioria dos
vestibulares se pede a dissertação argumentativa) e o registro de linguagem (deve-se respeitar a
norma culta).
Fique atento aos parágrafos
O que primeiro a banca observa num texto é a paragrafação. A disposição em blocos uniformes e
relativamente simétricos indica uma boa estruturação textual. É aconselhável dividir a dissertação
em quatro ou cinco parágrafos: um para a introdução, dois ou três para o desenvolvimento, e um
para a conclusão.
O parágrafo é uma das principais unidades de composição do texto. Ele se estrutura em torno de
uma afirmação básica, ou tópico frasal, que constitui a sua ideia-núcleo. Geralmente o tópico se
localiza no início; desenvolver o parágrafo é basicamente justificar a informação contida nele.
Eis um exemplo de tópico (em negrito) bem desenvolvido:
A superproteção que Sandy recebe de todas as partes só não parece maior que a disciplina e
determinação da cantora. Com quase 13 milhões de discos vendidos nesses mais de 15 anos de
carreira, ela é conhecida por buscar sempre a perfeição, independentemente do esforço e do tempo
que precise empregar para alcançá-la. Esse é o motivo pelo qual não aceitava receber outra nota que
não fosse 10.
A afirmação de que a disciplina e a determinação de Sandy são maiores que a superproteção da
qual ela é alvo justifica-se com os argumentos de que a cantora busca a perfeição e queria ser a
melhor aluna da turma.
Só quando o tópico está suficientemente desenvolvido é que se passa a um parágrafo novo, que trará
outro grupo de informações relacionado com o anterior. A articulação entre os tópicos assegura ao
texto progressão coerente e unidade.
Cuidado com frases longas
O ideal é equilibrar períodos curtos com períodos médios. Fazendo isso, o aluno corre menos
risco de se confundir e torna mais fácil a leitura.
O período seguinte é de grande extensão: “Embora os funcionários protestem, o diretor
resolveu punir os que faltarem ao trabalho por mais de três dias, pois esse tipo de comportamento
pode constituir péssima influência para os assíduos”.
Dividido em dois, ele se torna mais claro: “Os funcionários protestam, mas o diretor
resolveu punir quem faltar ao trabalho por mais de três dias. Esse tipo de comportamento, segundo
ele, pode constituir péssima influência para os assíduos”.
A armadilha dos advérbios em mente
Os advérbios em mente são perigosos. A maioria deles é inútil e deve ser cortada. Por que dizer
que somos um povo intrinsecamente alegre? Haverá por acaso uma alegria extrínseca?
São comuns nas redações frases como: “Precisamos verdadeiramente combater o nepotismo”;
“Nossas autoridades estão sistematicamente deixando de lado o ensino público”; “O País caminha
inexoravelmente para o caos”. Esses termos quilométricos constituem um cacoete e não trazem
nenhum acréscimo ao sentido.
Um dos que merecem especial cuidado é "literalmente”. Ele só deve ser usado quando, entre
dois sentidos possíveis, se quer destacar o que está “de acordo com a letra” (ou seja, o literal). Não
tem sentido dizer que o mercado “literalmente estimula as pessoas a depender do consumo”. Não há
como conceber essa dependência em sentido metafórico.
Se se diz que alguém está “literalmente não fossa”, ninguém vai pensar que ele está triste por
haver sofrido alguma decepção. Entende que caiu mesmo em algum tanque malcheiroso. Daí o
complemento que leva à piadinha: “E morreu? “Não. Escapou fedendo.”
Chico Viana
- Publicado no Especial 2011 Sala de Aula da revista Língua Portuguesa -
A linguagem como argumento
Argumentar é apresentar evidências para sustentar uma tese. Esse procedimento remonta à
retórica clássica, que codificou os principais recursos capazes de promover a adesão de um auditório
ao ponto de vista do orador. Aprendemos dos gregos que tais recursos consistem basicamente de
provas e razões. À língua cabia servir de suporte ao pensamento e conferir beleza à expressão por
meio das figuras (flores retóricas).
Essa maneira de avaliar a linguagem mudou. Hoje não se consideram os procedimentos
linguísticos como algo que se acrescenta ao texto, e sim como um dos componentes fundamentais da
argumentação. O processo de argumentar “depende de nossas escolhas linguísticas para obter sua
eficácia” (Ana Lúcia Tinoco Cabral. Em A força das palavras: dizer e argumentar. São Paulo:
Contexto, 2010; p. 13).
Uma pequena ilustração disso está na historinha que circulou há algum tempo na internet
envolvendo um cego e um publicitário. O cego pedia esmola numa manhã ensolarada de Paris; junto
dele havia um cartaz com os dizeres: “Por favor, ajude-me, sou cego’” Ninguém pingava uma
moeda em seu pires. Vendo isso, um publicitário que passava alterou os dizeres e foi embora.
Quando voltou, horas mais tarde, percebeu que o pires estava cheio de dinheiro. O cego o
reconheceu e perguntou o que ele havia escrito. “Nada diferente do antigo anúncio”, disse-lhe o
publicitário, “mas com outras palavras.” No novo cartaz, aparecia: “Hoje é Primavera em Paris, eu
não posso vê-la”.
O que mudou? Na versão do publicitário, a condição do cego não é explicitada mas
depreendida por metalepse da afirmação “não posso ver” (efeito pela causa). Essa afirmação liga-se
por conjunção adversativa ao que está expresso antes: a beleza da primavera parisiense, percebida
pelos transeuntes. Graças a essas alterações, o apelo do cego conseguiu enfim despertar a piedade
das pessoas. Isso mostra que o bom argumento é o que produz empatia, identificação. E o melhor
modo de conseguir isso é envolver pela linguagem o ouvinte/leitor.
CONTEÚDO ESSENCIAL
A coerência é um dos fatores que mais concorrem para um texto ser argumentativamente
bom. Ela resulta tanto da articulação lógica dos componentes textuais, quando da pertinência e
verossimilhança das afirmações. Fala-se então numa coerência interna (efeito da coesão) e numa
coerência externa, que reflete a adequação da linguagem ao mundo.
Entre os problemas que afetam a coerência interna está o uso inadequado dos conectivos. Ele
produz falhas lógicas, que denotam a fragilidade do raciocínio. Um exemplo disso ocorre nesta
passagem de uma redação sobre os malefícios do fumo: “O cigarro é uma irracionalidade, mas não
podemos aplaudi-lo”. Se o ato de fumar é irracional, não há contraste em não o aplaudir. Nesta
outra, sobre a educação moderna, também não há nexo entre o que se diz antes e o que se conclui:
“Os pais tiram a adrenalina da vida dos filhos, por isso poucos são os jovens que se interessam por
política”. Para ser politicamente participante o jovem deve necessariamente correr riscos?
Desconhecer o sentido das palavras também leva à incoerência. Por exemplo: “Sou a favor da
banalização do cigarro, pois tenho um parente que todos os dias sofre as consequências que o fumo
traz.” É contraditório ser a favor da vulgarização de um vício que causa danos a alguém da família;
o aluno certamente não sabia o que significa “banalização”.
Um dos domínios em que se manifesta a incoerência externa é o das generalizações. Quanto
mais genérico o enunciado, menos consistente ele é. Dizer que os jovens modernos são viciados na
internet tem muito menos solidez de que afirmar que “grande parte dos jovens de hoje perdes horas
navegando na Rede”. A segunda afirmação é confirmável, enquanto que a primeira pode ser
contestada com uma única ocorrência em contrário. Delimitar e concretizar é uma das condições
para conferir ao texto força argumentativa.
ESTRATÉGIAS EM SALA DE AULA
1
O emprego inadequado das palavras é uma excelente oportunidade para exercícios com o
dicionário. Essa prática ajuda o aluno a produzir enunciados de maior rigor semântico. Eis alguns
termos que comumente se prestam a confusão nas redações pela proximidade conceitual ou formal
com outros; entre parênteses, indicamos o sentido corre
a) O adolescente é um ser ambíguo. Numa hora está feliz, satisfeito com a vida; noutra, está
depressivo e solitário. (inconstante)
b) O contato interpessoal nos faz tolerantes com as vicissitudes do próximo. (idiossincrasias;
“vicissitudes” não se aplica a pessoas, mas a circunstâncias)
c) Cabe aos pais educar e à escola passar conhecimento. O que vemos hoje é um distúrbio disso. Os
pais não fazem a sua parte. (distorção)
d) Quando lhe disseram que devia reformular o trabalho, ele veio com o sofisma de que já se
esforçara demais. (subterfúgio, que significa “manobra ou pretexto para evitar dificuldades”).
e) “O deputado firmou uma posição inconteste a favor da transposição.” (incontestável; inconteste é
“contrário”, “discrepante”, “não testemunhado”).
2
Há várias maneiras de trabalhar em classe os conectivos. Uma delas é corrigir o emprego
indevido. Outra é alterá-los e solicitar dos alunos que reencontrem a forma correta. Por exemplo:
As vacinas estão com (..................) as frentes de pesquisa mais promissoras da medicina. A
proteção proporcionada até (..................) elas mudou o curso das doenças. Apesar das (.................)
imunizações, a varíola foi erradicada mundialmente em 1980 e o Brasil não registra um só caso de
poliomielite para (..................) 1989.
Não é difícil descobrir que conectivos devem, nos parênteses, substituir os grifados.
3
Entre as falhas comuns de coerência está a sequenciação inadequada dos períodos. O que é
dito no segundo não se articula com o conteúdo do anterior. O professor pode então propor versões
alternativas e mandar a turma escolher a que melhor dá sequência ao tópico. Por exemplo:
O bullying é diferente das batalhas saudáveis que ocorrem na escola. Ele
( ) aparece como agressões tanto físicas quanto morais.
( ) só atinge pessoas com baixa autoestima.
( ) não ajuda a construir a personalidade dos que são vítimas dele.
A alternativa que melhor completa o tópico é a terceira. O bullying se distingue dos “embates
saudáveis” por não ajudar a construir a personalidade de suas vítimas. Na versão original,
incongruente, constava a segunda.
4
Enfatizar os aspectos linguísticos da argumentação não significa deixar de lado a tipologia
que aparece nos manuais de retórica. Ela é útil para desenvolver o raciocínio e dotar o aluno de
estratégias que podem ajudá-lo na produção textual. Podem-se avaliar os argumentos associando-os
aos provérbios a que muitas vezes servem de base.
Lição de um mestre
O Padre Antônio Vieira é um dos melhores exemplos em nossa língua da aliança entre
argumentação e linguagem. Seus textos associam a lógica cerrada, própria do conceptismo barroco,
a procedimentos linguisticamente engenhosos. Pensamento e imagem se articulam e reforçam, como
na seguinte passagem do “Sermão da Sexagésima ou do Evangelho”:
“Antigamente convertia-se o Mundo, hoje por que se não converte ninguém? Porque hoje
pregam-se palavras e pensamentos, antigamente pregavam-se palavras e obras. Palavras sem obra
são tiros sem bala; atroam, mas não ferem. A funda de Davi derrubou o gigante, mas não o
derrubou com o estalo, senão com a pedra: Infixus est lapis in fronte ejus. As vozes da harpa de Davi
lançavam fora os demônios do corpo de Saul, mas não eram vozes pronunciadas com a boca, eram
vozes formadas com a mão: David tollebat citharam, et percutiebat manu sua. Por isso Cristo
comparou o pregador ao semeador. O pregar que é falar faz-se com a boca; o pregar que é semear,
faz-se com a mão. Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao coração, são necessárias
obras.”
Para responder à pergunta feita no início, o autor apresenta um argumento ad personam aquele
em que se procura desqualificar alguém apontando o contraste entre o que ele diz e o que ele faz. O
alvo da crítica do jesuíta são os pregadores do seu tempo, que não praticam o que pregam no
púlpito. Vieira ilustra a incoerência desse comportamento por meio de uma comparação (“palavras
sem obra são tiros sem bala”), cujo grau de concretude aumenta graças à explicitação do
comparante: “atroam mas não ferem”.
Segue-se uma série de ilustrações bíblicas que buscam demonstrar a superioridade do que é
apenas palavra, som (estalo, vozes pronunciadas com a boca) sobre o que tem poder de alterar a
realidade (pedra, vozes pronunciadas com a mão). A “mão” conduz metonimicamente à ideia de
obra (instrumento pela ação), que por sua vez remete à metáfora bíblica do semeador, com o qual o
verdadeiro pregador deve se identificar. Amplificando o argumento inicial, o autor chega com rigor
e unidade à equação de que “pregar é semear”. Uma aula sobre como usar a língua para convencer
e persuadir.
O humor do artista cearense que refletiu a alma do povo brasileiro
(Publicado na seção Obra Aberta da revista Língua Portugesa n. 79)
Chico Viana
O Brasil reconhecia em Chico Anysio um artista múltiplo, que tinha no riso o denominador
comum. Como ator humorísritico, foi absoluto. Ninguém o igualava na capacidade de criar tipos,
cada qual com voz, fala, fisionomia e trejeitos próprios. Já se disse que ele não representava -- “era”
cada um dos personagens que criou.
Além de atuar, escrevia para o teatro e a televisão, onde chegou a ter um programa diário por
vários anos. Seus textos apareceram também em livros de crônicas e de pequenas narrativas às vezes
centradas em seus personagens -- como o Pantaleão de “É mentira, Terta?”. Em muitos dos
“causos” que conta, num estilo espontâneo e oral, revela-se o modo de ser do homem nordestino.
Seus textos refletem o contato com pessoas do povo, algumas delas tão curiosas a ponto de lhe
servirem de referência para a criação dos tipos que imortalizou na TV.
Uma das marcas do seu humor é a preocupação social, que transparece na criação de
personagens como o professor Raimundo ou Justo Veríssimo. Na figura do velho mestre, o
humorista criticava a situação econômica do magistério num país em que a educação raramente é
prioridade dos governos. Ao protestar contra os parcos contracheques dessa categoria, tornou
famoso o bordão: “E o salário, ó.” Já a sinceridade do político ladino constitui o avesso da
hipocrisia com que grande parte dos nossos homens públicos mascara o desprezo que sente pelo
povo.
A criação de personagens como esses reforça a concepção que
Chico Anyisio tinha do humor; para além de divertir, o riso devia fazer pensar, revelando as
deformações do indivíduo e as injustiças sociais. Ao humorista cabe expor o que há de errado na
sociedade, para que outros procedam às transformações necessárias. Ele levava o humor a sério,
considerava-o instrumento de denúncia. Deixou isso bem claro quando afirmou em uma de suas
entrevistas: “Eu não tenho possibilidade de consertar nada, mas tenho a obrigação de denunciar
tudo”.
Chico Anysio não teria sido o humorista que foi se não associasse a preocupação social à
consciência linguística. O humor, afinal de contas, está nas palavras. O que há de risível em pessoas,
fatos, situações deriva sobretudo da forma de os representar. Para torná-los engraçados é preciso
dominar uma retórica em cujo repertório se incluem figuras de linguagem, jogos vocabulares, frases
de efeito, aproximação de elementos contrastantes. Chico dominava bem esses recursos,
utilizando-os por vezes à exaustão conforme se poderá ver no texto abaixo.
No retrato até então inédito que faz de si, publicado em “O Globo” por ocasião da sua morte, o
artista alia o humor ao lirismo (ver texto completo em
http://oglobo.globo.com/cultura/um-autorretrato-inedito-de-chico-anysio-4428439#ixzz1qjayyKYr ).
O mergulho no passado é uma das marcas da “escrita do eu”, que busca recompor vivências
perdidas no tempo. Mesmo num escrito tão pessoal, manifesta-se a dimensão coletiva. O autor
amplifica as referências subjetivas num “nós” que engloba meninos pobres como ele, e com essa
visão solidária afirma sua brasilidade.
O menino
Chico Anysio
Vou fazer um apelo. É o caso de um menino desaparecido.
Ele tem 11 anos, mas parece menos; pesa 30 quilos, mas parece menos; é brasileiro, mas parece
menos.
É um menino normal, ou seja: subnutrido, desses milhares de meninos que não pediram pra nascer;
ao contrário: nasceram pra pedir.
Calado demais pra sua idade, sofrido demais pra sua idade, com idade demais pra sua idade. É,
como a maioria, um desses meninos de 11 anos que ainda não tiveram infância.
Parece ser menor carente, mas, se é, não sabe disso. Nunca esteve na Febem, portanto, não teve
tempo de aprender a ser criança-problema. Anda descalço por amor à bola. (...)
Do amor não correspondido pela professora, descobriu que viver dói. Viveu cada verso de "Romeu e
Julieta", sem nunca ter lido a história.
Foi Dom Quixote sem precisar de Cervantes e sabe, por intuição, que o mundo pode ser um inferno
ou uma badalação, dependendo se ele é visto pelo Nelson Rodrigues ou pelo Gilberto Braga. (...).
Tímido até a ousadia, seus silêncios gritavam nos cantos da casa e seus prantos eram goteiras no
telhado de sua alma.
Trajava, na ocasião em que desapareceu, uns olhos pretos muito assustados e eu não digo isso pra
ser original: é que a primeira coisa que chama a atenção no menino são os grandes olhos,
desproporcionais ao tamanho do rosto. (...)
Foi visto pela última vez com uma pipa na mão, mas é de todo improvável que a pipa o tenha
empinado. Se bem que, sonhador do jeito que ele é, não duvido nada.
Sequestrado, não foi, porque é um menino que nasceu sem resgate.
Como vocês veem, é um menino comum, desses que desaparecem às dezenas todas os dias.
Mas se alguém souber de alguma notícia, me procure, por favor, porque... ou eu encontro de novo
esse menino que um dia eu fui, ou eu não sei o que vai ser de mim.
Hipertexto
Um dos recursos explorados pelo autor é a repetição de componentes finais da frase (epístrofe). Esse
procedimento, comum na prosa e na poesia, permite a simétrica recorrência de palavras, sintagmas
ou orações. Nas duas passagens marcadas, o humor decorre da quebra do paralelismo semântico no
terceiro segmento, que é incongruente em relação aos demais por referir uma grandeza
inquantificável; não se pode, do ponto de vista lógico, parecer “menos” brasileiro ou ter idade
“demais” para a idade.
Ao considerar a subnutrição como normalidade, o autor alude às crianças que, como ele, têm uma
infância difícil devido à condição social. O jogo presente na repetição invertida dos termos
(antimetábole) reforça o tom de protesto, pois a insatisfação com a vida (não pedir para nascer)
decorre da miséria a que se foi relegado (nascer para pedir).
Irônica associação entre pobreza e anseio de liberdade. O amor à bola remete ao futebol, um dos
principais instrumentos de ascensão social para grande parte das crianças pobres do Brasil. É
sintomático que essa passagem apareça pouco depois da referência à Febem.
Humor e lirismo se alternam para compor o retrato do menino que o adulto busca reencontrar.
Alguns de seus traços -- como timidez, introversão, sentimentalismo -- reforçam-se por meio do
paradoxo, da hipérbole e da metáfora. A duplicação desta última figura (goteira/telhado) chega ao
rebuscamento num período já tão retoricamente inflado.
O texto se estrutura como um “anúncio de desaparecido”. É comum nesse tipo de gênero a
referencia à indumentária que a pessoa usava na última vez em que foi vista. A informação de que
menino “trajava uns olhos muito assustados” não constitui um sinal objetivo, mas se coaduna com o
tipo de busca empreendido pelo autor. O menino não se perdeu no espaço, mas no tempo, ou seja, em
si mesmo. Daí a perplexidade do olhar.
A desnecessária informação de que “é improvável que a pipa o tenha empinado” evoca, por
contraste, a magreza do menino. A essa característica física sucede outra, psicológica, promovida
pela metonímia associada ao brinquedo; seguir a pipa é seguir o sonho. A aliteração do fonema /p/
reforça a dimensão lúdica da frase.
(Parônimos na redação de vestibulandos)
Chico Viana
(Publicado no n. 23 da revista Língua Portuguesa - Conhecimento prático, da Escala Educacional)
Um dos problemas graves em redações de vestibulandos é a falta de rigor no emprego das
palavras. As falhas por inexatidão de sentido prejudicam a coerência e, nos casos em que constituem
repetições indevidas, comprometem a progressão do texto. Em razão delas geram-se enunciados
contraditórios e por vezes ininteligíveis. A impressão que se tem é a de que o aluno ouviu o galo
cantar, mas não soube onde, tal a distância entre a palavra escolhida e a ideia que ele queria
transmitir.
Um dos fatores que concorrem para isso é a escolha errada entre dois parônimos. Parônimas,
como se sabe, são palavras que se assemelham pela pronúncia. As gramáticas citam exemplos como
os de “infligir e infringir”, “intemerato e intimorato”, “eminente e iminente”; nesses pares, a
semelhança fônica faz com que não raro se troque um dos vocábulos pelo outro.
A análise das redações, quanto a esse aspecto, nos leva a uma interessante constatação: os
parônimos tanto induzem ao erro, quanto aparecem como alternativas para suprir o vazio de um
pensamento que não encontra a sua forma. O que o aluno escreveria, por exemplo, se não lhe
ocorresse usar “consistência” em lugar de “constância” numa frase como “É preciso evitar a
consistência com que isso ocorre”?
Dificilmente optaria por um termo mais preciso, como “frequência”; o mais provável é que não
formulasse o juízo que formulou. A existência do parônimo se constitui num recurso para que ele
tenha dito o que disse, abeirando-se muitas vezes do sentido adequado. A semelhança sonora entre
os vocábulos demonstra que ele tinha uma vaga ideia do que “constância” significa -- tanto que
pensou estar usando essa palavra quando escolheu a outra.
O uso inadequado dos parônimos decorre basicamente de uma confusão formal, mas isso não
significa que o fator semântico não concorra para a troca dos termos. Nesse ponto ocorre o oposto
do que acontece nos tradicionais equívocos apontados pela gramática.
Quem troca “infligir” por “infringir” não o faz sugestionado por um vínculo de sentido. Pelo
contrário, não há nenhuma relação entre essas palavras. Já entre “constância” e “consistência”
parece haver um parentesco metonímico; quem é constante, afinal de contas, demonstra alguma
consistência interior.
O mesmo ocorre nas passagens abaixo, retiradas também de redações de nossos alunos:
“Estas indagações são feitas pela sociedade, que muitas vezes se contradiz ao avanço da
medicina”; “São pais antiquários, que prendem demais os filhos”; “A força da moda encucou nos
consumidores esse padrão por ela estabelecido”; “Ninguém é capaz de transformar algo tão
nobre e verdadeiro em algo maquinário”.
As trocas às vezes têm efeito paradoxal ou cômico. Ao confundir “constância” com “consistência”,
no contexto da frase citada, o aluno atribui valor a algo que pretende evitar. O que é consistente não
deve em princípio ser rejeitado, ou seja, a escolha da palavra indevida gerou uma falha de
coerência.
Não é preciso ser “antiquário” (“vender ou colecionar antiguidades”) para prender muito os
filhos; geralmente quem faz isso são os pais caretas, antiquados, que se recusam a acompanhar a
evolução dos tempos. Mas não há dúvida de que existe um elo semântico entre as duas palavras; os
antiquários lidam com objetos antigos, e para o jovem “antiguidade” e “caretice” muitas vezes se
equivalem.
É frequente a troca de “contradiz” por “contrapõe”, e do verbo “inculcar” por “encucar” (esse
último vocábulo, por sinal, está muito próximo do universo dos adolescentes). O curioso, nessa troca
vocabular, é que é a ideia de “meter na cuca” (cabeça) não está longe do sentido pretendido pelo
aluno, que se refere à “lavagem cerebral” promovida pela moda. Já o termo “maquinário”,
transformado em adjetivo, constitui uma extensão indevida de “maquinal.”
É preciso distinguir os exemplos acima daqueles em que o mau emprego das palavras não se
deve à semelhança sonora. Nesses casos o aluno erra mesmo por desconhecimento do sentido. Eis
alguns exemplos:
(a) “Depois de tal episódio, pude contemplar o quanto o álcool é prejudicial”; (b) “A adolescência é
uma fase da vida cheia de descobertas e libertações, mas também compactuada com sérios temores”;
(c) “...devemos sempre avaliar o que está em nossa volta antes de tomar nossas próprias conclusões”;
(d) “A geração e valorização do emprego local seria um bom começo para melhorar essa
necessidade”; (e) “O contato interpessoal nos faz adquirir tolerância em relação ao próximo e suas
vicissitudes”.
Haveria adequação se em vez de “contemplar” o aluno tivesse escrito “perceber”, palavra mais
ajustada ao contexto. A adolescência é comprometida (e não “compactuada”) por sérios temores. E
desde quando é possível “tomar conclusões”? Tirar conclusões é o certo. Uma necessidade não se
melhora -- se atende (atenua ou desfaz). “Vicissitudes” aplica-se a situações e não a pessoas; a estas,
o termo que cabe é “idiossincrasias”.
Os erros decorrentes de parônimos mal empregados, como se vê, são diferentes dos que
aparecem nas passagens acima. Indicam não propriamente ignorância, mas insuficiência na leitura
e pouca habilidade para discernir entre conteúdos semânticos de alguma forma aparentados. A
percepção de um elo entre a forma escolhida e a que o aluno queria expressar mostra que ele fica a
meio caminho entre o acerto e o erro, e muitas vezes tem uma vaga noção do que pretendia dizer.
Um dos desafios para quem ensina redação é levá-lo a perceber as razões dessa troca,
explicitando o vínculo entre as duas formas em jogo. A partir daí será possível melhorar seu
desempenho como leitor e produtor de textos.
****
Chico Viana é doutor em Teoria da
Literatura pela UFRJ e professor de redação no curso que leva o
seu nome. (www.chicoviana.com - viacor@uol.com.br)
Orações reduzidas são as que apresentam o verbo em forma nominal. Opõem-se às orações
desenvolvidas (iniciadas por conjunções e preposições) e às justapostas (sem conectivos). Podem ser
de três tipos:
- de infinitivo: Por não calcular os riscos, levou a empresa à falência.
- de gerúndio: Ganhará mais saúde dormindo cedo.
- de particípio: Feito o trabalho, foram dormir.
Entre os problemas que envolvem o emprego das orações reduzidas, destacam-se a flexão do
infinitivo e o uso do gerúndio.
O infinitivo se caracteriza por indicar a pura ação verbal, sem designar quem a pratica:
“Navegar é preciso”. Uma das peculiaridades do português é pessoalizar essa forma nominal, o que
gera indecisão quanto à possibilidade de flexioná-la. Segundo J. Mattoso Camara Jr., a flexão
ocorre “quando há o intento de destacar o processo verbal expresso no infinitivo (...), em face do
processo verbal expresso no verbo principal”. (“Dicionário de linguística e gramática”; Ed. Vozes).
Não existe regulamentação rígida para a flexão do infinitivo, que depende de razões estilísticas, mas
deve-se ficar atento a estas indicações:
- o infinitivo não se flexiona quando o sujeito da oração reduzida é o mesmo da principal:
“Os atletas empenharam-se além dos limites para conseguir um bom desempenho”;
- deve-se flexionar o infinitivo, mesmo que o sujeito das duas orações seja o mesmo, para
atender à clareza ou à eufonia: “Devemos participar da reunião para não sermos considerados
omissos”;
- se o ser ou a coisa que constitui o sujeito do infinitivo desempenha função diferente na oração
principal, a flexão é optativa: “O técnico orientou os atletas a se preparar (ou se prepararem) com
rigor”;
- flexiona-se o infinitivo quando ele tem sujeito próprio: “Torço para vencerem os melhores”.
GERÚNDIO
Os problemas com o gerúndio são graves porque afetam a coesão. As falhas coesivas
geralmente ocorrem porque não existe equivalência entre o sujeito do gerúndio e o da oração
anterior. Se há identidade entre os sujeitos, mantém-se a uniformidade da estrutura. É o caso deste
exemplo, adaptado da redação de um aluno, no qual “criança” é o sujeito de “torna-se” e de
“buscando”:
“Sem amor a criança torna-se carente e frágil, buscando fora de casa outros meios para
completar esse vazio.”
Essa equivalência não ocorria na versão original:
“Uma criança sem amor no lar torna-se carente e frágil, levando-a a procurar fora de casa
outros meios para completar esse vazio.”
O que leva a criança a procurar fora de casa meios para suprir o vazio não é, obviamente, ela
própria, mas o que se afirma na oração anterior. Daí a necessidade de substituir o gerúndio por uma
forma desenvolvida, cujo sujeito resume anaforicamente o conteúdo da oração anterior (“Isso a
leva...”, “o que a leva...”).
Neste outro trecho, o mau emprego do gerúndio dá a entender que a Inglaterra chegou no
Brasil (sic) na década de 50: “O processo de industrialização iniciou-se em meados do século 18. A
Inglaterra foi a pioneira, chegando no Brasil na década de 50.”
A data da chegada refere-se, na verdade, ao processo de industrialização. Refeito, o período fica
mais claramente formulado: “O processo de industrialização iniciou-se na Inglaterra, no século 18,
e chegou ao Brasil na década de 50.”
Não são raros os casos em que o gerúndio aparece, indevidamente, no lugar de uma forma
desenvolvida: “Nas últimas décadas o nosso país melhorou o nível de educação. Tendo a taxa de
analfabetismo reduzida, aumento de matrículas escolares e crescimento da escolaridade média.”
Nessa passagem, pode-se substituir “tendo” por “teve”.
A acumulação de gerúndios leva por vezes a períodos centopeicos e mal concatenados, como o
seguinte:
Em regiões pobres as pessoas assistem mais a tevê do que leem, podendo-se observar que os
níveis de desenvolvimento na educação e na cultura não atingem valores significativos, acarretando
em graves consequências sociais.
O ideal, para a clareza do texto, é suprimir as formas nominais e inserir os elementos coesivos
adequados:
Em regiões pobres as pessoas assistem mais a tevê do que leem. Pode-se então observar que
nelas os níveis de desenvolvimento na educação e na cultura não atingem valores significativos, o
que acarreta graves consequências sociais.
FIQUE POR DENTRO
Não se flexiona o infinitivo que faz parte de locução verbal, de modo que se devem evitar
passagens como: “Os EUA não deveriam serem as maiores potências.” Tampouco se preposiciona o
infinitivo que, posposto aos adjetivos “fácil”, “difícil”, “agradável”, “possível” e outros, inicia
orações subjetivas: “Não é difícil de perceber que crianças e adolescentes precisam de cuidados
jurídicos a mais.” O aluno confundiu essa construção com aquelas nas quais o infinitivo, com
sentido passivo, completa o adjetivo. “Esse é um trabalho difícil de fazer (ser feito).”
Problemas de concordância também ocorrem nas orações reduzidas de particípio, que
geralmente antecedem a oração principal: “Confirmado as estatísticas, o Brasil ainda tem muito o
que fazer na educação.” O particípio deve concordar com o sujeito (estatísticas), mesmo se
considerando que ele faz parte de locução verbal com um gerúndio implícito (havendo-se
confirmado). O que conta, para a concordância, é o que está expresso.
COMO ESTUDAR
Transformar orações desenvolvidas em reduzidas é um meio de compactar o enunciado e livrar
o texto do excesso de “quês”. Devem-se treinar essas mudanças, que se aplicam às orações adjetivas:
“O empréstimo que tomei (tomado por mim) foi ousado”; substantivas: “É indispensável que se
conheça (conhecer) bem o inimigo”; e adverbiais: “Logo que termine (terminando) os exames,
viajarei”.
Outro bom exercício é desfazer as ambiguidades decorrentes do gerúndio que introduz oração
adjetiva a chamada endorreia. Numa frase como “Pedro viu uma moça tomando banho de mar”,
não está claro se quem toma banho é Pedro ou a moça.
O QUE CONSULTAR
Em “A estrutura da oração reduzida” (UFC), o professor José Rebouças Macambira faz um
estudo descritivo das orações que têm os verbos em forma nominal. Baseado em inúmeros exemplos,
discute o efeito estilístico que tais orações promovem, mostra as posições que ocupam no período e
aborda a correspondência que estabelecem umas com as outras. Sem preocupação normativa,
aponta os diferentes usos das orações reduzidas nos registros culto e popular.
QUESTÃO COMENTADA
(UFMG) Qual dos verbos destacados não se acha no infinitivo?
a) Os avós devem ter-se modernizado também.
b) A idéia de ser montado – e por mim – não era das mais aprazíveis.
c) Estranho apartamento, se juntarmos, em sua representação, os móveis modernos aos objetos
remotos.
d) Um desejo de nos pacificarmos, de atingirmos a bondade e a compreensão, nos tornava
indiferentes à matéria cotidiana.
e) Luís engoliu o pão com geléia como se fosse o último alimento sobre a terra, e sua salvação
dependesse de tê-lo ingerido.
RESPOSTA: c.
A forma “juntarmos” encontra-se no futuro do subjuntivo; tanto é assim que vem antecedida
por conjunção (se), que não introduz oração reduzida. Em a, e e b, o infinitivo aparece como
auxiliar de tempos compostos na voz ativa (ter modernizado, ter ingerido) e passiva (ser montado).
Em d, o infinitivo aparece flexionado e antecedido de preposição (de).
Chico Viana
- Publicado no Especial Redação Vestibular, Enem e concursos da revista Língua portuguesa
(Ed. Segmento) -
Os argumentos invisíveis
Quando escrevemos, apresentamos determinados conteúdos e deixamos outros implícitos. Muitas
vezes está nestes a força do que queremos afirmar. Os implícitos aparecem como verdades que, por
poderem ser inferidas, não precisam ser formuladas. Eles são basicamente de dois tipos os
pressupostos e os subentendidos.
O pressuposto está inscrito na língua. Depreende-se do que está dito, sem que se necessite de
um raciocínio para chegar a ele. Suponhamos que alguém afirme: “Para elevar o IDH, o Brasil
precisa de boas escolas e professores bem pagos”. Pressupõe-se daí que o nosso IDH (Índice de
Desenvolvimento Urbano do Brasil) é baixo. Para manter a coerência, é preciso que o texto em
nenhum momento contradiga essa informação.
O subentendido não se inscreve na língua, depende de uma reflexão feita pelo receptor. Na frase
acima, pode-se subentender que o governo concorre para nosso baixo IDH por negligenciar a
educação ao pagar mal aos professores. Trata-se de um subentendido porque nem todos pensam
assim. Há quem defenda que existem problemas mais graves em nosso sistema educacional do que o
baixo salário pago ao magistério. O subentendido, por depender de uma interpretação do
interlocutor, é objeto de polêmica. O pressuposto, não.
Tratar o que se subentende como verdade absoluta pode ser um dos problemas da argumentação.
É o que ocorre quando se diz, numa redação sobre o trabalho dos pais fora de casa, que a ausência
deles leva à deficiente educação dos filhos. Subentende-se que isso ocorra, é claro, no entanto há
pais que conseguem equilibrar os dois tipos de atividade. Não se pode, então, generalizar.
O controle do tempo
Um dos motivos de angústia para os vestibulandos é o tempo dedicado à redação. Deve-se
começar por ela ou deixá-la para depois? Embora isso dependa muito de cada um, o recomendável é
primeiro redigir e depois resolver as questões objetivas. A redação vale mais pontos. Além disso,
exige mais trabalho mental, já que nas outras questões o aluno deve apenas marcar um xis.
O controle do tempo na redação é importante porque os textos das questões objetivas são
longos. Retardar-se demais na dissertação redunda em prejuízo para eles. É preciso, então, ser ágil e
metódico. A experiência mostra que os alunos mantêm a média quando redigem em classe, sob
pressão e com tempo limitado. Às vezes, curiosamente, escrevem melhor.
Uma das hipóteses para explicar isso é que na classe eles ficam mais concentrados. Grande
parte do que se dedica “a mais” na elaboração do texto é usada em atitudes inúteis, como reler
palavras ou períodos. Experimente reler só uma vez cada parágrafo já pronto. Depois releia a
redação toda e mude o que achar conveniente.
Um bom roteiro ajuda. É melhor gastar cerca de meia hora com um esquema e depois ir em
frente, sem interrupções, do que ficar mudando os rumos do texto. Também é útil, para escrever com
presteza, usar um vocabulário transparente e objetivo. Hesitar demais entre um ou outro termo leva
a que se perca tempo, pois compromete o fluxo do pensamento.
Acerte o tema
O vestibular não avalia o candidato apenas como produtor de texto. Avalia-o também como leitor.
Um dos meios de fazer é verificar se ele foi capaz de atender à proposta temática. Não é justo tratar
da mesma forma quem entendeu e quem não entendeu o tema, mesmo que essa incompreensão não
impeça alguém de produzir um texto linguisticamente satisfatório.
Diante disso, é preciso interpretar corretamente as instruções formuladas pela banca. “Sabendo
interpretar o que lê, o estudante organiza as ideias e produz bom texto” (Lygia Fagundes Telles).
Além do tema, deve-se também observar com rigor o tipo textual (no Enem e na maioria dos
vestibulares se pede a dissertação argumentativa) e o registro de linguagem (deve-se respeitar a
norma culta).
Fique atento aos parágrafos
O que primeiro a banca observa num texto é a paragrafação. A disposição em blocos uniformes e
relativamente simétricos indica uma boa estruturação textual. É aconselhável dividir a dissertação
em quatro ou cinco parágrafos: um para a introdução, dois ou três para o desenvolvimento, e um
para a conclusão.
O parágrafo é uma das principais unidades de composição do texto. Ele se estrutura em torno de
uma afirmação básica, ou tópico frasal, que constitui a sua ideia-núcleo. Geralmente o tópico se
localiza no início; desenvolver o parágrafo é basicamente justificar a informação contida nele.
Eis um exemplo de tópico (em negrito) bem desenvolvido:
A superproteção que Sandy recebe de todas as partes só não parece maior que a disciplina e
determinação da cantora. Com quase 13 milhões de discos vendidos nesses mais de 15 anos de
carreira, ela é conhecida por buscar sempre a perfeição, independentemente do esforço e do tempo
que precise empregar para alcançá-la. Esse é o motivo pelo qual não aceitava receber outra nota que
não fosse 10.
A afirmação de que a disciplina e a determinação de Sandy são maiores que a superproteção da
qual ela é alvo justifica-se com os argumentos de que a cantora busca a perfeição e queria ser a
melhor aluna da turma.
Só quando o tópico está suficientemente desenvolvido é que se passa a um parágrafo novo, que trará
outro grupo de informações relacionado com o anterior. A articulação entre os tópicos assegura ao
texto progressão coerente e unidade.
Cuidado com frases longas
O ideal é equilibrar períodos curtos com períodos médios. Fazendo isso, o aluno corre menos
risco de se confundir e torna mais fácil a leitura.
O período seguinte é de grande extensão: “Embora os funcionários protestem, o diretor
resolveu punir os que faltarem ao trabalho por mais de três dias, pois esse tipo de comportamento
pode constituir péssima influência para os assíduos”.
Dividido em dois, ele se torna mais claro: “Os funcionários protestam, mas o diretor
resolveu punir quem faltar ao trabalho por mais de três dias. Esse tipo de comportamento, segundo
ele, pode constituir péssima influência para os assíduos”.
A armadilha dos advérbios em mente
Os advérbios em mente são perigosos. A maioria deles é inútil e deve ser cortada. Por que dizer
que somos um povo intrinsecamente alegre? Haverá por acaso uma alegria extrínseca?
São comuns nas redações frases como: “Precisamos verdadeiramente combater o nepotismo”;
“Nossas autoridades estão sistematicamente deixando de lado o ensino público”; “O País caminha
inexoravelmente para o caos”. Esses termos quilométricos constituem um cacoete e não trazem
nenhum acréscimo ao sentido.
Um dos que merecem especial cuidado é "literalmente”. Ele só deve ser usado quando, entre
dois sentidos possíveis, se quer destacar o que está “de acordo com a letra” (ou seja, o literal). Não
tem sentido dizer que o mercado “literalmente estimula as pessoas a depender do consumo”. Não há
como conceber essa dependência em sentido metafórico.
Se se diz que alguém está “literalmente não fossa”, ninguém vai pensar que ele está triste por
haver sofrido alguma decepção. Entende que caiu mesmo em algum tanque malcheiroso. Daí o
complemento que leva à piadinha: “E morreu? “Não. Escapou fedendo.”
Chico Viana
- Publicado no Especial 2011 Sala de Aula da revista Língua Portuguesa -
A linguagem como argumento
Argumentar é apresentar evidências para sustentar uma tese. Esse procedimento remonta à
retórica clássica, que codificou os principais recursos capazes de promover a adesão de um auditório
ao ponto de vista do orador. Aprendemos dos gregos que tais recursos consistem basicamente de
provas e razões. À língua cabia servir de suporte ao pensamento e conferir beleza à expressão por
meio das figuras (flores retóricas).
Essa maneira de avaliar a linguagem mudou. Hoje não se consideram os procedimentos
linguísticos como algo que se acrescenta ao texto, e sim como um dos componentes fundamentais da
argumentação. O processo de argumentar “depende de nossas escolhas linguísticas para obter sua
eficácia” (Ana Lúcia Tinoco Cabral. Em A força das palavras: dizer e argumentar. São Paulo:
Contexto, 2010; p. 13).
Uma pequena ilustração disso está na historinha que circulou há algum tempo na internet
envolvendo um cego e um publicitário. O cego pedia esmola numa manhã ensolarada de Paris; junto
dele havia um cartaz com os dizeres: “Por favor, ajude-me, sou cego’” Ninguém pingava uma
moeda em seu pires. Vendo isso, um publicitário que passava alterou os dizeres e foi embora.
Quando voltou, horas mais tarde, percebeu que o pires estava cheio de dinheiro. O cego o
reconheceu e perguntou o que ele havia escrito. “Nada diferente do antigo anúncio”, disse-lhe o
publicitário, “mas com outras palavras.” No novo cartaz, aparecia: “Hoje é Primavera em Paris, eu
não posso vê-la”.
O que mudou? Na versão do publicitário, a condição do cego não é explicitada mas
depreendida por metalepse da afirmação “não posso ver” (efeito pela causa). Essa afirmação liga-se
por conjunção adversativa ao que está expresso antes: a beleza da primavera parisiense, percebida
pelos transeuntes. Graças a essas alterações, o apelo do cego conseguiu enfim despertar a piedade
das pessoas. Isso mostra que o bom argumento é o que produz empatia, identificação. E o melhor
modo de conseguir isso é envolver pela linguagem o ouvinte/leitor.
CONTEÚDO ESSENCIAL
A coerência é um dos fatores que mais concorrem para um texto ser argumentativamente
bom. Ela resulta tanto da articulação lógica dos componentes textuais, quando da pertinência e
verossimilhança das afirmações. Fala-se então numa coerência interna (efeito da coesão) e numa
coerência externa, que reflete a adequação da linguagem ao mundo.
Entre os problemas que afetam a coerência interna está o uso inadequado dos conectivos. Ele
produz falhas lógicas, que denotam a fragilidade do raciocínio. Um exemplo disso ocorre nesta
passagem de uma redação sobre os malefícios do fumo: “O cigarro é uma irracionalidade, mas não
podemos aplaudi-lo”. Se o ato de fumar é irracional, não há contraste em não o aplaudir. Nesta
outra, sobre a educação moderna, também não há nexo entre o que se diz antes e o que se conclui:
“Os pais tiram a adrenalina da vida dos filhos, por isso poucos são os jovens que se interessam por
política”. Para ser politicamente participante o jovem deve necessariamente correr riscos?
Desconhecer o sentido das palavras também leva à incoerência. Por exemplo: “Sou a favor da
banalização do cigarro, pois tenho um parente que todos os dias sofre as consequências que o fumo
traz.” É contraditório ser a favor da vulgarização de um vício que causa danos a alguém da família;
o aluno certamente não sabia o que significa “banalização”.
Um dos domínios em que se manifesta a incoerência externa é o das generalizações. Quanto
mais genérico o enunciado, menos consistente ele é. Dizer que os jovens modernos são viciados na
internet tem muito menos solidez de que afirmar que “grande parte dos jovens de hoje perdes horas
navegando na Rede”. A segunda afirmação é confirmável, enquanto que a primeira pode ser
contestada com uma única ocorrência em contrário. Delimitar e concretizar é uma das condições
para conferir ao texto força argumentativa.
ESTRATÉGIAS EM SALA DE AULA
1
O emprego inadequado das palavras é uma excelente oportunidade para exercícios com o
dicionário. Essa prática ajuda o aluno a produzir enunciados de maior rigor semântico. Eis alguns
termos que comumente se prestam a confusão nas redações pela proximidade conceitual ou formal
com outros; entre parênteses, indicamos o sentido corre
a) O adolescente é um ser ambíguo. Numa hora está feliz, satisfeito com a vida; noutra, está
depressivo e solitário. (inconstante)
b) O contato interpessoal nos faz tolerantes com as vicissitudes do próximo. (idiossincrasias;
“vicissitudes” não se aplica a pessoas, mas a circunstâncias)
c) Cabe aos pais educar e à escola passar conhecimento. O que vemos hoje é um distúrbio disso. Os
pais não fazem a sua parte. (distorção)
d) Quando lhe disseram que devia reformular o trabalho, ele veio com o sofisma de que já se
esforçara demais. (subterfúgio, que significa “manobra ou pretexto para evitar dificuldades”).
e) “O deputado firmou uma posição inconteste a favor da transposição.” (incontestável; inconteste é
“contrário”, “discrepante”, “não testemunhado”).
2
Há várias maneiras de trabalhar em classe os conectivos. Uma delas é corrigir o emprego
indevido. Outra é alterá-los e solicitar dos alunos que reencontrem a forma correta. Por exemplo:
As vacinas estão com (..................) as frentes de pesquisa mais promissoras da medicina. A
proteção proporcionada até (..................) elas mudou o curso das doenças. Apesar das (.................)
imunizações, a varíola foi erradicada mundialmente em 1980 e o Brasil não registra um só caso de
poliomielite para (..................) 1989.
Não é difícil descobrir que conectivos devem, nos parênteses, substituir os grifados.
3
Entre as falhas comuns de coerência está a sequenciação inadequada dos períodos. O que é
dito no segundo não se articula com o conteúdo do anterior. O professor pode então propor versões
alternativas e mandar a turma escolher a que melhor dá sequência ao tópico. Por exemplo:
O bullying é diferente das batalhas saudáveis que ocorrem na escola. Ele
( ) aparece como agressões tanto físicas quanto morais.
( ) só atinge pessoas com baixa autoestima.
( ) não ajuda a construir a personalidade dos que são vítimas dele.
A alternativa que melhor completa o tópico é a terceira. O bullying se distingue dos “embates
saudáveis” por não ajudar a construir a personalidade de suas vítimas. Na versão original,
incongruente, constava a segunda.
4
Enfatizar os aspectos linguísticos da argumentação não significa deixar de lado a tipologia
que aparece nos manuais de retórica. Ela é útil para desenvolver o raciocínio e dotar o aluno de
estratégias que podem ajudá-lo na produção textual. Podem-se avaliar os argumentos associando-os
aos provérbios a que muitas vezes servem de base.
Lição de um mestre
O Padre Antônio Vieira é um dos melhores exemplos em nossa língua da aliança entre
argumentação e linguagem. Seus textos associam a lógica cerrada, própria do conceptismo barroco,
a procedimentos linguisticamente engenhosos. Pensamento e imagem se articulam e reforçam, como
na seguinte passagem do “Sermão da Sexagésima ou do Evangelho”:
“Antigamente convertia-se o Mundo, hoje por que se não converte ninguém? Porque hoje
pregam-se palavras e pensamentos, antigamente pregavam-se palavras e obras. Palavras sem obra
são tiros sem bala; atroam, mas não ferem. A funda de Davi derrubou o gigante, mas não o
derrubou com o estalo, senão com a pedra: Infixus est lapis in fronte ejus. As vozes da harpa de Davi
lançavam fora os demônios do corpo de Saul, mas não eram vozes pronunciadas com a boca, eram
vozes formadas com a mão: David tollebat citharam, et percutiebat manu sua. Por isso Cristo
comparou o pregador ao semeador. O pregar que é falar faz-se com a boca; o pregar que é semear,
faz-se com a mão. Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao coração, são necessárias
obras.”
Para responder à pergunta feita no início, o autor apresenta um argumento ad personam aquele
em que se procura desqualificar alguém apontando o contraste entre o que ele diz e o que ele faz. O
alvo da crítica do jesuíta são os pregadores do seu tempo, que não praticam o que pregam no
púlpito. Vieira ilustra a incoerência desse comportamento por meio de uma comparação (“palavras
sem obra são tiros sem bala”), cujo grau de concretude aumenta graças à explicitação do
comparante: “atroam mas não ferem”.
Segue-se uma série de ilustrações bíblicas que buscam demonstrar a superioridade do que é
apenas palavra, som (estalo, vozes pronunciadas com a boca) sobre o que tem poder de alterar a
realidade (pedra, vozes pronunciadas com a mão). A “mão” conduz metonimicamente à ideia de
obra (instrumento pela ação), que por sua vez remete à metáfora bíblica do semeador, com o qual o
verdadeiro pregador deve se identificar. Amplificando o argumento inicial, o autor chega com rigor
e unidade à equação de que “pregar é semear”. Uma aula sobre como usar a língua para convencer
e persuadir.
O humor do artista cearense que refletiu a alma do povo brasileiro
(Publicado na seção Obra Aberta da revista Língua Portugesa n. 79)
Chico Viana
O Brasil reconhecia em Chico Anysio um artista múltiplo, que tinha no riso o denominador
comum. Como ator humorísritico, foi absoluto. Ninguém o igualava na capacidade de criar tipos,
cada qual com voz, fala, fisionomia e trejeitos próprios. Já se disse que ele não representava -- “era”
cada um dos personagens que criou.
Além de atuar, escrevia para o teatro e a televisão, onde chegou a ter um programa diário por
vários anos. Seus textos apareceram também em livros de crônicas e de pequenas narrativas às vezes
centradas em seus personagens -- como o Pantaleão de “É mentira, Terta?”. Em muitos dos
“causos” que conta, num estilo espontâneo e oral, revela-se o modo de ser do homem nordestino.
Seus textos refletem o contato com pessoas do povo, algumas delas tão curiosas a ponto de lhe
servirem de referência para a criação dos tipos que imortalizou na TV.
Uma das marcas do seu humor é a preocupação social, que transparece na criação de
personagens como o professor Raimundo ou Justo Veríssimo. Na figura do velho mestre, o
humorista criticava a situação econômica do magistério num país em que a educação raramente é
prioridade dos governos. Ao protestar contra os parcos contracheques dessa categoria, tornou
famoso o bordão: “E o salário, ó.” Já a sinceridade do político ladino constitui o avesso da
hipocrisia com que grande parte dos nossos homens públicos mascara o desprezo que sente pelo
povo.
A criação de personagens como esses reforça a concepção que
Chico Anyisio tinha do humor; para além de divertir, o riso devia fazer pensar, revelando as
deformações do indivíduo e as injustiças sociais. Ao humorista cabe expor o que há de errado na
sociedade, para que outros procedam às transformações necessárias. Ele levava o humor a sério,
considerava-o instrumento de denúncia. Deixou isso bem claro quando afirmou em uma de suas
entrevistas: “Eu não tenho possibilidade de consertar nada, mas tenho a obrigação de denunciar
tudo”.
Chico Anysio não teria sido o humorista que foi se não associasse a preocupação social à
consciência linguística. O humor, afinal de contas, está nas palavras. O que há de risível em pessoas,
fatos, situações deriva sobretudo da forma de os representar. Para torná-los engraçados é preciso
dominar uma retórica em cujo repertório se incluem figuras de linguagem, jogos vocabulares, frases
de efeito, aproximação de elementos contrastantes. Chico dominava bem esses recursos,
utilizando-os por vezes à exaustão conforme se poderá ver no texto abaixo.
No retrato até então inédito que faz de si, publicado em “O Globo” por ocasião da sua morte, o
artista alia o humor ao lirismo (ver texto completo em
http://oglobo.globo.com/cultura/um-autorretrato-inedito-de-chico-anysio-4428439#ixzz1qjayyKYr ).
O mergulho no passado é uma das marcas da “escrita do eu”, que busca recompor vivências
perdidas no tempo. Mesmo num escrito tão pessoal, manifesta-se a dimensão coletiva. O autor
amplifica as referências subjetivas num “nós” que engloba meninos pobres como ele, e com essa
visão solidária afirma sua brasilidade.
O menino
Chico Anysio
Vou fazer um apelo. É o caso de um menino desaparecido.
Ele tem 11 anos, mas parece menos; pesa 30 quilos, mas parece menos; é brasileiro, mas parece
menos.
É um menino normal, ou seja: subnutrido, desses milhares de meninos que não pediram pra nascer;
ao contrário: nasceram pra pedir.
Calado demais pra sua idade, sofrido demais pra sua idade, com idade demais pra sua idade. É,
como a maioria, um desses meninos de 11 anos que ainda não tiveram infância.
Parece ser menor carente, mas, se é, não sabe disso. Nunca esteve na Febem, portanto, não teve
tempo de aprender a ser criança-problema. Anda descalço por amor à bola. (...)
Do amor não correspondido pela professora, descobriu que viver dói. Viveu cada verso de "Romeu e
Julieta", sem nunca ter lido a história.
Foi Dom Quixote sem precisar de Cervantes e sabe, por intuição, que o mundo pode ser um inferno
ou uma badalação, dependendo se ele é visto pelo Nelson Rodrigues ou pelo Gilberto Braga. (...).
Tímido até a ousadia, seus silêncios gritavam nos cantos da casa e seus prantos eram goteiras no
telhado de sua alma.
Trajava, na ocasião em que desapareceu, uns olhos pretos muito assustados e eu não digo isso pra
ser original: é que a primeira coisa que chama a atenção no menino são os grandes olhos,
desproporcionais ao tamanho do rosto. (...)
Foi visto pela última vez com uma pipa na mão, mas é de todo improvável que a pipa o tenha
empinado. Se bem que, sonhador do jeito que ele é, não duvido nada.
Sequestrado, não foi, porque é um menino que nasceu sem resgate.
Como vocês veem, é um menino comum, desses que desaparecem às dezenas todas os dias.
Mas se alguém souber de alguma notícia, me procure, por favor, porque... ou eu encontro de novo
esse menino que um dia eu fui, ou eu não sei o que vai ser de mim.
Hipertexto
Um dos recursos explorados pelo autor é a repetição de componentes finais da frase (epístrofe). Esse
procedimento, comum na prosa e na poesia, permite a simétrica recorrência de palavras, sintagmas
ou orações. Nas duas passagens marcadas, o humor decorre da quebra do paralelismo semântico no
terceiro segmento, que é incongruente em relação aos demais por referir uma grandeza
inquantificável; não se pode, do ponto de vista lógico, parecer “menos” brasileiro ou ter idade
“demais” para a idade.
Ao considerar a subnutrição como normalidade, o autor alude às crianças que, como ele, têm uma
infância difícil devido à condição social. O jogo presente na repetição invertida dos termos
(antimetábole) reforça o tom de protesto, pois a insatisfação com a vida (não pedir para nascer)
decorre da miséria a que se foi relegado (nascer para pedir).
Irônica associação entre pobreza e anseio de liberdade. O amor à bola remete ao futebol, um dos
principais instrumentos de ascensão social para grande parte das crianças pobres do Brasil. É
sintomático que essa passagem apareça pouco depois da referência à Febem.
Humor e lirismo se alternam para compor o retrato do menino que o adulto busca reencontrar.
Alguns de seus traços -- como timidez, introversão, sentimentalismo -- reforçam-se por meio do
paradoxo, da hipérbole e da metáfora. A duplicação desta última figura (goteira/telhado) chega ao
rebuscamento num período já tão retoricamente inflado.
O texto se estrutura como um “anúncio de desaparecido”. É comum nesse tipo de gênero a
referencia à indumentária que a pessoa usava na última vez em que foi vista. A informação de que
menino “trajava uns olhos muito assustados” não constitui um sinal objetivo, mas se coaduna com o
tipo de busca empreendido pelo autor. O menino não se perdeu no espaço, mas no tempo, ou seja, em
si mesmo. Daí a perplexidade do olhar.
A desnecessária informação de que “é improvável que a pipa o tenha empinado” evoca, por
contraste, a magreza do menino. A essa característica física sucede outra, psicológica, promovida
pela metonímia associada ao brinquedo; seguir a pipa é seguir o sonho. A aliteração do fonema /p/
reforça a dimensão lúdica da frase.
(Parônimos na redação de vestibulandos)
Chico Viana
(Publicado no n. 23 da revista Língua Portuguesa - Conhecimento prático, da Escala Educacional)
Um dos problemas graves em redações de vestibulandos é a falta de rigor no emprego das
palavras. As falhas por inexatidão de sentido prejudicam a coerência e, nos casos em que constituem
repetições indevidas, comprometem a progressão do texto. Em razão delas geram-se enunciados
contraditórios e por vezes ininteligíveis. A impressão que se tem é a de que o aluno ouviu o galo
cantar, mas não soube onde, tal a distância entre a palavra escolhida e a ideia que ele queria
transmitir.
Um dos fatores que concorrem para isso é a escolha errada entre dois parônimos. Parônimas,
como se sabe, são palavras que se assemelham pela pronúncia. As gramáticas citam exemplos como
os de “infligir e infringir”, “intemerato e intimorato”, “eminente e iminente”; nesses pares, a
semelhança fônica faz com que não raro se troque um dos vocábulos pelo outro.
A análise das redações, quanto a esse aspecto, nos leva a uma interessante constatação: os
parônimos tanto induzem ao erro, quanto aparecem como alternativas para suprir o vazio de um
pensamento que não encontra a sua forma. O que o aluno escreveria, por exemplo, se não lhe
ocorresse usar “consistência” em lugar de “constância” numa frase como “É preciso evitar a
consistência com que isso ocorre”?
Dificilmente optaria por um termo mais preciso, como “frequência”; o mais provável é que não
formulasse o juízo que formulou. A existência do parônimo se constitui num recurso para que ele
tenha dito o que disse, abeirando-se muitas vezes do sentido adequado. A semelhança sonora entre
os vocábulos demonstra que ele tinha uma vaga ideia do que “constância” significa -- tanto que
pensou estar usando essa palavra quando escolheu a outra.
O uso inadequado dos parônimos decorre basicamente de uma confusão formal, mas isso não
significa que o fator semântico não concorra para a troca dos termos. Nesse ponto ocorre o oposto
do que acontece nos tradicionais equívocos apontados pela gramática.
Quem troca “infligir” por “infringir” não o faz sugestionado por um vínculo de sentido. Pelo
contrário, não há nenhuma relação entre essas palavras. Já entre “constância” e “consistência”
parece haver um parentesco metonímico; quem é constante, afinal de contas, demonstra alguma
consistência interior.
O mesmo ocorre nas passagens abaixo, retiradas também de redações de nossos alunos:
“Estas indagações são feitas pela sociedade, que muitas vezes se contradiz ao avanço da
medicina”; “São pais antiquários, que prendem demais os filhos”; “A força da moda encucou nos
consumidores esse padrão por ela estabelecido”; “Ninguém é capaz de transformar algo tão
nobre e verdadeiro em algo maquinário”.
As trocas às vezes têm efeito paradoxal ou cômico. Ao confundir “constância” com “consistência”,
no contexto da frase citada, o aluno atribui valor a algo que pretende evitar. O que é consistente não
deve em princípio ser rejeitado, ou seja, a escolha da palavra indevida gerou uma falha de
coerência.
Não é preciso ser “antiquário” (“vender ou colecionar antiguidades”) para prender muito os
filhos; geralmente quem faz isso são os pais caretas, antiquados, que se recusam a acompanhar a
evolução dos tempos. Mas não há dúvida de que existe um elo semântico entre as duas palavras; os
antiquários lidam com objetos antigos, e para o jovem “antiguidade” e “caretice” muitas vezes se
equivalem.
É frequente a troca de “contradiz” por “contrapõe”, e do verbo “inculcar” por “encucar” (esse
último vocábulo, por sinal, está muito próximo do universo dos adolescentes). O curioso, nessa troca
vocabular, é que é a ideia de “meter na cuca” (cabeça) não está longe do sentido pretendido pelo
aluno, que se refere à “lavagem cerebral” promovida pela moda. Já o termo “maquinário”,
transformado em adjetivo, constitui uma extensão indevida de “maquinal.”
É preciso distinguir os exemplos acima daqueles em que o mau emprego das palavras não se
deve à semelhança sonora. Nesses casos o aluno erra mesmo por desconhecimento do sentido. Eis
alguns exemplos:
(a) “Depois de tal episódio, pude contemplar o quanto o álcool é prejudicial”; (b) “A adolescência é
uma fase da vida cheia de descobertas e libertações, mas também compactuada com sérios temores”;
(c) “...devemos sempre avaliar o que está em nossa volta antes de tomar nossas próprias conclusões”;
(d) “A geração e valorização do emprego local seria um bom começo para melhorar essa
necessidade”; (e) “O contato interpessoal nos faz adquirir tolerância em relação ao próximo e suas
vicissitudes”.
Haveria adequação se em vez de “contemplar” o aluno tivesse escrito “perceber”, palavra mais
ajustada ao contexto. A adolescência é comprometida (e não “compactuada”) por sérios temores. E
desde quando é possível “tomar conclusões”? Tirar conclusões é o certo. Uma necessidade não se
melhora -- se atende (atenua ou desfaz). “Vicissitudes” aplica-se a situações e não a pessoas; a estas,
o termo que cabe é “idiossincrasias”.
Os erros decorrentes de parônimos mal empregados, como se vê, são diferentes dos que
aparecem nas passagens acima. Indicam não propriamente ignorância, mas insuficiência na leitura
e pouca habilidade para discernir entre conteúdos semânticos de alguma forma aparentados. A
percepção de um elo entre a forma escolhida e a que o aluno queria expressar mostra que ele fica a
meio caminho entre o acerto e o erro, e muitas vezes tem uma vaga noção do que pretendia dizer.
Um dos desafios para quem ensina redação é levá-lo a perceber as razões dessa troca,
explicitando o vínculo entre as duas formas em jogo. A partir daí será possível melhorar seu
desempenho como leitor e produtor de textos.
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Chico Viana é doutor em Teoria da
Literatura pela UFRJ e professor de redação no curso que leva o
seu nome. (www.chicoviana.com - viacor@uol.com.br)
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